Foi no balanço fixado na pracinha de um parque em Porto Alegre que a filha de um casal de amigos me contou neste domingo, com sorriso e uma covinha no rosto:
— Tia Kelly, amanhã eu vou voltar para a escola.
Enquanto balançava os pezinhos nas "alturas", ela me falou o nome da professora, pronunciou as cores em inglês e narrou que tinha arrumado sua mochila para o grande dia. Em dado momento, quando perguntei se ela não queria dormir comigo aquela noite e ela respondeu, de pronto:
— Mas tia Kelly, na tua casa não tem o meu uniforme.
Conto essas duas frases ditas pela pequena para ilustrar um pouco da expectativa, ontem pela manhã, de uma menina que aguardava ansiosamente pelo dia que em que iria rever a professora e os coleguinhas — sentimento que acabou frustrado na manhã desta segunda-feira. É que após decisão judicial o governo do Rio Grande do Sul emitiu nota comunicando que, neste momento, as aulas presenciais estão suspensas no Estado.
O vaivém do retorno às aulas se deu porque no domingo (25), uma decisão da 1ª Vara da Fazenda Pública de Porto Alegre — a mesma que determinou a suspensão das aulas há dois meses — reafirmou que as atividades não podem ocorrer durante a vigência da bandeira preta, ainda que o Estado tenha editado novo decreto.
Não se trata aqui de discutir uma premissa básica para o ordenamento jurídico e o Estado democrático, afinal decisão judicial — goste-se ou não — se cumpre.
Mas é preciso observar com atenção quando a divergência de decisões por parte dos Poderes causa insegurança jurídica, confusão entre os entes envolvidos e, não menos relevante, a frustração de nossas crianças.
Na noite deste domingo, crianças e pais foram dormir com a perspectiva de levar os filhos ao colégio. Na manhã desta segunda-feira, parte das instituições chegou a receber alunos. E, de repente, não mais que de repente, o entendimento passou a ser outro. Faltou comunicação? Não seria possível construir algo de forma coesa?
A segunda-feira ainda reserva alguns longos capítulos da novela que não parece próxima de um final. Enquanto juízes, procuradores e autoridades do Estado tentam construir uma solução, com base na lei e na segurança de pais e professores, a nota triste é que são as crianças que lidam com a frustração de ter que guardar o uniforme na gaveta, mais uma vez, antes de voltar a vesti-lo.
Que o reencontro possa ser feito em breve, com segurança para todos. E com uma dose de amor e acolhimento para os pequenos.