Se um estrangeiro descesse às terras gaúchas hoje, depois de se deparar com a troca de farpas pública entre prefeito de Porto Alegre e governador no momento mais crítico da pandemia de coronavírus, seria difícil explicar como ambos superaram tão rapidamente as divergências e agora aparecem juntos para comunicar a população sobre a importância das medidas de contenção, assim como eventuais novas flexibilizações.
— É um privilégio ter o senhor aqui, que é o governador de todos os gaúchos — anunciou um entusiasmado Sebastião Melo, prefeito da capital, após a visita de Leite ao Paço Municipal.
O encontro foi também simbólico: Leite deixou a sede do governo estadual e se deslocou até o Paço Municipal, onde fez uma visita de cortesia ao prefeito em início de mandato e também discutiu eventuais mudanças quanto à abertura do comércio e serviços, após uma leve estabilização quanto ao número de internações.
— O privilégio é meu. Se eu sou o governador de todos os gaúchos, o senhor é o prefeito de todos os porto-alegrenses — devolveu.
A costura da relação foi feita por um hábil personagem: o presidente da Assembleia Legislativa, Gabriel Souza (MDB). Em conversa sobre outros temas com Melo, Souza sondou o colega de partido sobre a possibilidade de um encontro com o governador para que eventuais divergências pudessem ser esclarecidas. Ao receber uma sinalização positiva, propôs o mesmo movimento ao governador Eduardo Leite, depois de encontrá-lo no Piratini.
Entusiasmado com a ideia, Leite não quis sequer esperar. Telefonou para o prefeito ainda na frente do presidente da Assembleia, Gabriel Souza. E ali um café da manhã foi agendado, quando aparentemente as divergências ainda precisavam ser devidamente marcadas por ambos, para que futuramente pudessem superadas.
Após esse encontro, houve ainda uma deferência importante. Em nova oportunidade, o governador se deslocou até a sede da prefeitura e fez uma visita ao prefeito Melo. Ali, ambos expuseram publicamente a relação cordial e a tomada de medidas conjuntas para o enfrentamento da pandemia.
— Para mim foi um dos eventos políticos mais importantes do Rio Grande do Sul nos últimos meses. E por que eu digo isso? Porque mostra para a sociedade que há muito mais convergências do que divergências. Todos estão querendo fazer o bem para a sociedade gaúcha. Ninguém é contra a vida. Ninguém é contra a economia. E a partir do estabelecimento de um fluxo (com a participação de ambos no gabinete de crise), a partir de uma decisão única sobre medidas a serem tomadas, vai haver comprometimento de quem construiu essa decisão. Quer dizer, se for pela flexibilização ou abertura das lojas, vai ter comprometimento da prefeitura de uma fiscalização rigorosa. Em sintonia. Agora estão todos decidindo juntos — explicou.
É importante lembrar que Melo, enquanto prefeito, também presidente a Granpal — Consórcio da Associação dos Municípios da Região Metropolitana. Portanto, a convergência quanto à tomada de decisões é ainda mais significativa.
Nos bastidores, a aproximação gerou ciúme entre integrantes do MDB gaúcho, incomodados com o protagonismo de Leite e, claro, de olho nos próximos movimentos que possam refletir na eleição de 2022. Como se sabe, Leite já se apresentou como pré-candidato à presidência da República e tem marcado posição bastante clara em relação a Jair Bolsonaro (ontem, ingressou no STF cobrando explicações de insinuação políticas). O governador já deixou claro que não pretende disputar a reeleição ao Piratini.