A tensão estabelecida em Brasília após declarações polêmicas do ministro do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes, que associou o Exército brasileiro a uma condução genocida de enfrentamento à pandemia do coronavírus, produz um derrotado evidente e não é o presidente Jair Bolsonaro. Quem perde em um governo que não consegue estabelecer uma política pública responsável frente à maior crise de saúde da história recente é um só: o povo brasileiro.
Com centenas - e reiteradas vezes milhares - de mortes por dia, a população enterra seus familiares sem poder se despedir, enquanto assiste à confusão provocada por discursos dissonantes entre o Planalto e gestores estaduais. Em quem acreditar? Como pensar em retomada quando sequer há sintonia entre as esferas federal, estadual e municipal? Oremos.
A fala de Gilmar Mendes provocou, não à toa, reação efusiva por parte dos militares. O vice-presidente da República, Hamilton Mourão, rebateu dizendo que o magistrado "forçou a barra" e "ultrapassou o limite de crítica" com suas declarações. De fato, é inegável que o ministro do STF pesou a mão e, sim, atingiu a instituição. Contudo, faria bem a ala militar uma reflexão séria, a ponto de cobrar do presidente da República ao qual se associou um posicionamento mais responsável e estadista em relação à pandemia.
Ou os militares concordam com as aglomerações que contaram com a presença do presidente? Ou com o não uso de máscara - recomendado por médicos e especialistas - ao se dirigir a repórteres, no final de sua fala no Palácio da Alvorada? Ou ainda com as declarações de que a doença configurava uma "gripezinha"? Sem qualquer crítica, o silêncio nos dá a resposta. Enquanto isso, um general sem formação para tanto segue à frente do Ministério da Saúde.
Apesar do desgaste - que não é de hoje - entre a Suprema Corte e integrantes do governo, há quem aposte em panos quentes nos próximos dias. O próprio Mourão (que em maio afirmara à Rádio Gaúcha que os poderes devem "navegar dentro dos limites da sua responsabilidade") declarou ontem que as "tensões" diminuíram nos últimos tempos. De acordo com ele, o presidente Jair Bolsonaro escalou ministros como o da Secretaria-Geral Jorge Oliveira e o da Justiça André Mendonça para "restabelecer as pontes com o STF".
É cedo para dizer. Mas a se julgar pelos últimos episódios da novela, os personagens voltarão a se enfrentar.