A grave crise global instaurada a partir da disseminação do coronavírus encontra capítulos ainda mais estapafúrdios quando o recorte se impõe sobre o Brasil. Em meio a um número de devastador de mortos, o Ministério da Saúde segue sem comando. Os dois ex-titulares da pasta arrumaram as malas quando forçados pelo presidente a endossar o uso de um medicamento que não tem eficácia científica comprovada e pode trazer consequências graves para o sistema cardiovascular daquele que recebê-lo. Tamanha é a preocupação que a Organização Mundial de Saúde decidiu recomendar que médicos entreguem ao paciente um termo de consentimento para ser assinado, em caso de opção pelo uso da cloroquina.
Segue a novela.
Nos últimos dias, chamou a atenção até mesmo de pares com larga experiência pelos corredores acarpetados de Brasília a quantidade de militares nomeados pelo chefe do Executivo para ocupar os postos deixados por gestores técnicos - aqueles referidos por Jair Bolsonaro como prioridade na montagem do primeiro escalão de governo. Definiu assim o então presidente eleito em 2018:
- O critério para preencher (os ministérios) é técnico, não é festa.
Corta para 2020.
Festa é o que promoveu um dos militares nomeados para o Ministério da Saúde no início do mês de abril. Contou a repórter Camila Mattoso (Folha de São Paulo), que Giovani Camarão, escolhido para coordenar as finanças do Fundo Nacional de Saúde, publicou foto nas redes sociais em que aparece em comemoração junto a pelo menos 17 pessoas. Na legenda, a despreocupação: "niver do gerson 03/04/2020". Um dos seguidores chegou a fazer um alerta: "olha a aglomeração". Outro nomeado - o militar Angelo Martins Denicoli - é frequente disseminador de ataques e notícias falsas pelas redes, contou também a Folha. Em textos espalhados pelas redes, afirmou que o ministro do STF Celso de Mello "apoia pedófilos", que Marco Aurélio Mello é "saída de assassinos" e que Rosa Weber "garante estuprador".
Ainda assim, há algo de pior no país onde assassinar uma criança negra durante operação policial se tornou comum e não digno de repúdio ou lamento presidencial.
As nomeações expõem o desapreço explícito do governo Bolsonaro por decisões embasadas em ciência e medicina. E mais: revelam, sem pudor, o fortalecimento da ala ideológica que orbita no Palácio do Planalto, dando voz ativa a negacionistas e terraplanistas. A urgência estabelecida a partir de uma doença de ordem global já seria motivo suficiente para deixar qualquer gestor minimamente responsável em alerta, em busca de soluções que possam preservar a vida de milhares de brasileiros. Entretanto, Bolsonaro vai na direção contrária. E insiste em nomear pessoas inexperientes para fazer frente à crise que já matou mais de 18 mil pessoas no Brasil.