Ela nunca teve em seus planos administrar uma empresa pública. Menos ainda uma instituição que acumulasse sucessivos anos de prejuízo — somente em 2016, o déficit chegou a R$ 74,2 milhões. Em conversa com a coluna, Helen Machado, 44 anos, dividiu histórias e planos executados em seus dois anos à frente da companhia pública Carris, uma das empresas operadoras do transporte público de Porto Alegre.
Após dois anos de gestão sob o comando de Helen, escolhida por meio do Banco de Talentos implementado pelo prefeito Nelson Marchezan, a empresa contabiliza uma redução de R$ 55 milhões no déficit. Para equilibrar as contas, ela implementou uma série de ações, desde a redução do custo da folha de pagamento (com diminuição de horas extras, de funções gratificadas, do número de CCs) até a readequação de processos, como por exemplo, a compra de peças diretamente dos fabricantes que, segundo ela, resultou em R$ 1,5 milhão de economia.
No meio da conversa, que começou por telefone e prosseguiu por escrito, pediu licença para acompanhar junto ao filho de seis anos a tarefa enviada pela escola. "Estou fazendo tema com ele", contou. Entre as histórias divididas, uma curiosa sobre o desafio proposto em treinamento com motoristas da empresa:
— Cheguei e perguntei "quem aqui gostaria de trabalhar em uma empresa sem problemas, num ambiente seguro, com uma rotina previsível, estável e sem surpresas?". Todos levantaram a mão. Todos. Aí, eu tive que dizer "então vocês podem ir embora, porque escolheram a empresa errada" — contou, bem-humorada.
A seguir, confira a entrevista:
Você está completando dois anos à frente da Carris. O que passou de lá pra cá?
Um choque de gestão! Quando cheguei aqui, em fevereiro de 2017, encontrei um ambiente caótico. Assumi a presidência em abril do mesmo ano. Me deparei com uma infraestrutura sucateada, problemas em todas as áreas, com um grupo de empregados desmotivado e sem crenças, com corporações que se empoderavam das fragilidades destas situações e utilizavam um sistema de comunicação informal, bastante enraizado nas pessoas para desqualificar o trabalho que estava se iniciando. Uma empresa com um déficit de R$ 74,2 milhões, em 2016, com sucessivos anos de prejuízos acumulados, totalizando R$ 289,9 milhões. Uma situação falimentar!
Montei uma nova equipe de gestores com o suporte do Banco de Talentos, e nos reinventamos em um cenário sem recursos financeiros e com muito, mas muito a fazer. Estruturamos e implantamos um Plano de Gestão, que norteia o alcance do principal objetivo da empresa: o equilíbrio econômico e financeiro, por meio de ações planejadas, participativas e transparentes para a tomada de decisão.
Atualmente, as pessoas enxergam em que lugar a Carris está e onde quer chegar e, por isso, se comprometem.
A empresa tem uma sequência de anos deficitários e o prefeito chegou a cogitar a venda, a privatização. Como você enfrentou esse desafio?
Eu sou movida a desafios, são eles que me motivam todos os dias a sair de casa, a buscar tudo o que de melhor há para o meu filho, para a minha família, e eu não sou diferente na minha vida profissional. Acho que a necessidade de superação e o tamanho das dificuldades talvez tenham sido os fatores que mais me motivaram a aceitar o convite de assumir a liderança dessa empresa, com a meta de torná-la sustentável. Foi esse o desafio proposto pelo prefeito.
Ser uma mulher liderando uma empresa predominantemente masculina. Qual o tamanho do desafio? Lembra de alguma situação curiosa ou engraçada?
Não acredito que o fato de eu ser mulher tenha aumentado o desafio de recuperar a empresa. Defendo que o sucesso profissional de uma pessoa depende da competência dela, e não do gênero. Para mim, não há diferença entre homens e mulheres na Carris.
Já quanto a situações curiosas, sim, foram muitas. No ano de 2016 foram realizadas 5,8 mil horas de treinamento. Um dos programas que integram o Plano de Gestão é a capacitação dos colaboradores e, por meio dele, alcançamos em 2018, 35 mil horas. Diante da relevância deste programa, participo de algumas etapas das capacitações.
Vou contar uma situação que aconteceu recentemente. Em uma das turmas de treinamento de motoristas, fui até a sala para me apresentar. O pessoal já está acostumado com o meu jeito, sou espontânea, entusiasmada e, nesse caso específico, eu fiz uma pergunta para a turma. Questionei "quem aqui gostaria de trabalhar em uma empresa sem problemas, num ambiente seguro, com uma rotina previsível, estável e sem surpresas?". Todos levantaram a mão. Todos. Aí, eu tive que dizer "então vocês podem ir embora, porque escolheram a empresa errada, aqui nós temos muitos problemas e precisamos ter coragem e disposição para enfrentá-los". Eles ficaram surpresos com a minha resposta, claro, mas no final todos riram. Penso que, assim, lanço desafios para as pessoas, é uma forma de conquistar engajamentos.
Prestes a apresentar mais um balanço, a Carris conseguiu diminuir o déficit?
Sim, é nosso dever apresentar resultados à população de Porto Alegre. Em 2017 e 2018, só a economia com INSS somou R$ 4 milhões, com a adequação da alíquota. Houve também a redução do custo da folha de pagamento, em decorrência da redução de horas extras, de funções gratificadas, do número de Cargos Comissionados, da suspensão do pagamento do Programa de Participação nos Resultados Carris, além da resilição do convênio com a SUSEPE, resultando em R$ 9,4 milhões de economia no período.
A implantação de novos processos como a compra de peças diretamente dos fabricantes resultou em R$ 1,5 milhão de economia para a empresa. Também foram implantadas rotinas de controle, onde alcançamos 100% das operações de pagamento automatizadas, reduzindo as possibilidades de fraude como as identificadas em maio de 2017. Estas e outras ações contribuíram para a redução do déficit da Companhia em aproximadamente 70% em comparação a 2016 (R$ 74,2 milhões de prejuízo).
Atualmente, os colaboradores estão inseridos em um ambiente concorrencial, estamos vivendo uma mudança de cultura, em que as pessoas estão se apropriando do trabalho que realizam e da empresa para a qual trabalham. Tudo isso está se refletindo no resultado financeiro.
Depois de dois anos à frente da empresa, para onde você ainda quer levá-la?
Nosso objetivo é tornar essa empresa inovadora, mas autossustentável. A meta para 2019 e 2020 é “Zerar o déficit”. E um dos maiores projetos que temos para alcançar este objetivo é a implantação do modelo de gestão orçamentária, o OBZ (Orçamento Base Zero), que é uma metodologia para melhorar de forma detalhada o controle de despesas e receitas para maior segurança no alcance das metas. Ainda temos muitos problemas. Muitos desafios. Mas, acredito que estamos no rumo certo!