Em 26 anos vivendo em Porto Alegre, nunca tinha testemunhado a ira do “rio-lago” da forma como vi na manhã desta quarta-feira (27), na Orla. O Guaíba virou um mar barrento, feito de ondas, correnteza e repuxo. Foi uma “bofetada” na cara.
A água parda que desabrigou famílias e provocou perdas também cobriu os brinquedos infantis da pracinha, os bancos, as lixeiras e parte do passeio público em uma das mais populares áreas de lazer da cidade.
Quando estive no local, por volta das 9h, o Guaíba estava prestes a superar a cota de inundação no Cais Mauá, o que se confirmaria pouco depois - o nível atingiu 3m17cm perto das 11h30min, 17 centímetros acima do limite, obrigando a prefeitura a espalhar sacos de areia junto às comportas na tentativa de impedir o avanço da água no Centro Histórico.
Na Orla, vi entulhos por todos os lados, vindos das profundezas do leito. É nessas horas que o descarte irregular de resíduos fica ainda mais visível.
Pensei no drama das pessoas cujas casas foram atingidas, na sujeira, nos estragos que a enchente deixará e na nossa incapacidade crônica de perceber algo tão claro: o quanto nossas próprias ações têm contribuído, direta ou indiretamente, para esse estado de coisas.
Será que teremos o azar de reviver o que a geração de 1941 viveu, quando Porto Alegre ficou literalmente abaixo d’água? Será que o sistema de contenção de cheias, com o famigerado muro da Avenida Mauá, dará conta?
Não sei. O que sei é que as inundações deste setembro de 2023, turbinadas pelo impiedoso El Niño, precisam nos levar a repensar atitudes. Esta não é uma pauta de esquerda ou de direita. É, ou deveria ser, de todos nós.
Falo de estilo de vida, do culto ao consumismo, do modelo de desenvolvimento que buscamos e do que de fato queremos para as nossas cidades. Mais concreto? Ou mais árvores e superfícies absorventes? Mais arranha-céus? Mais asfalto? Mais “progresso”? A que custo?
Meu desafio, como jornalista, é tentar traduzir a emergência climática para a linguagem das pessoas comuns, sem palavras difíceis, sem moralismo, sem preconceitos, para, de alguma forma, despertá-las para a consciência ambiental. Ainda não sei como fazer isso, mas acredito que mostrar o que está acontecendo no nosso quintal, talvez, seja o primeiro passo.