Mais de 17 mil condutores que têm Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e que cometeram a infração mais grave estabelecida na legislação estão dirigindo impunemente pelo Rio Grande do Sul. Mesmo tendo sido abordados e identificados cometendo infração, eles não tiveram o processo de cassação aberto pelo Departamento Estadual de Trânsito (Detran).
Entre 2020 e 2024, o órgão não vinha seguindo o que determina o Código de Trânsito Brasileiro (CTB). Os procedimentos só foram retomados em outubro deste ano. Desde então, 7,6 mil processos de cassação de CNHs foram abertos.
O departamento justifica que alterações na legislação necessitaram ajustes de processos. O procedimento de cassação é aberto quando o condutor é flagrado dirigindo com a CNH suspensa.
Segundo o Detran, com a mudança de prazos - de cinco anos para 180 dias -, não se conseguiu dar vazão ao volume de processos ao mesmo tempo em que se ajustavam os sistemas. Dessa forma, processos registrados há mais tempo não puderam ser instaurados.
E, de acordo com dados fornecidos pelo departamento, mais de 4 mil motoristas foram flagrados mais de uma vez dirigindo com a CNH suspensa. Ou seja, deveriam ter sido punidos quando foram flagrados trafegando com velocidade superior a 50% do limite máximo da rodovia, ou quando estavam embriagados ou se recusaram a fazer o teste do etilômetro, por exemplo, e foram abordados novamente pela fiscalização de trânsito.
— Se o Detran não instaurar processo de cassação para todas as infrações capituladas no artigo 162 do CTB, cometidas pelo condutor durante o período da suspensão, ele acaba estimulando a impunidade, pois aplica os mesmos 2 anos de cassação, tanto para quem dirigiu uma única vez com a CNH suspensa, quanto para quem dirigiu dez vezes. É como se a conduta de matar uma pessoa e matar dez, para o Detran, tivesse a mesma reprimenda — critica a presidente da Associação Brasileira dos Advogados de Trânsito (Abatran), Rochane Ponzi.
Sobre as mudanças de legislação, que o Detran justifica que foram as responsáveis pela não abertura de processos de cassação, Rochane reforça que essas leis não alteraram o processo de cassação. O que houve foi a alteração dos processos de suspensão e de multa.
— É como se o delegado decidisse impulsionar apenas inquéritos de furto e não fazer os de roubo, sob a justificativa de que não tem sistema ou gente suficiente para fazer os dois — esclarece Rochane.
Suspensão x Cassação
Diferente da suspensão, em que o motorista recupera o direito de dirigir após um período que pode variar de dois a dezoito meses, dependendo do tipo de infração, a cassação significa a perda da habilitação por dois anos. Isso impõe ao condutor a necessidade de solicitar novamente a CNH, submetendo-se ao processo de reabilitação, que envolve curso de reciclagem, prova prática e teórica.
Suspensão da CNH
Outro problema enfrentado é que a Polícia Rodoviária Federal segue sem abrir processos de suspensão da CNH nas estradas de sua competência. O problema ocorre desde abril de 2021 por causa de uma alteração legislativa. Antes, os departamentos estaduais de trânsito eram os responsáveis. Desde abril de 2021, a atribuição passou a ser da Polícia Rodoviária Federal (PRF), quando as infrações forem registradas em estradas da União, como BR-116, BR-101, BR-290, BR-386, entre outras.