Durante tantos meses, fomos bombardeados pela ameaça real de morte por uma doença que tinha colocado de joelhos os humanos pretensiosos que subitamente se perceberam submetidos ao desespero coletivo, uma condição que tinha como única virtude o fato de eliminar disparidades, nivelando a todos pela humilhação do medo.
Os números não paravam de crescer, ninguém acertava nenhuma previsão, os otimistas foram desmoralizados, os pessimistas tiveram momentos de glória ao anunciar que tudo ia seguir muito mal e depois de meses reverberar um "eu não disse?" — que é a consagração dos catastrofistas. E os indiferentes, claro, se mantiveram neutros, porque não conseguem ser outra coisa, e tudo bem.
Muitas mortes incompreensíveis levaram pessoas do bem, e algumas sobrevivências injustificáveis pouparam tipos que, francamente. Enxurradas de verbas foram derramadas, teoricamente direcionadas ao combate da pandemia, e o que se viu foi a mesma carência de leitos e um surpreendente ajuste de contas de Estados até então falidos, que milagrosamente se recuperavam, contrariando uma crise econômica que se desenhava implacável, com todos em casa seguindo as recomendações sanitárias e acompanhando os boletins catastróficos das TVs.
A pandemia confirmou: o sofrimento prolongado gera mais amargura do que sabedoria e expõe mais mesquinhez do que empatia.
Apesar do desespero do vírus em se mutar para sobreviver, adquirindo sobrenomes diferentes a cada semestre para se fazer presente, atingiu-se, um dia, um patamar de mortes, o que foi visto como uma grande conquista da ciência, através da vacina e da responsabilidade social, com as medidas protetoras. A expressão "média móvel de óbitos" escasseou, o percentual de ocupação das UTIs deixou de ser manchete, e as grandes redes de TV tiveram que remanejar seu time de repórteres, justo quando já estavam habituados ao jargão médico, sem gaguejar. Ninguém mais chorava ao se saber contaminado, o tempo de descontaminação foi encurtado, e um belo dia as máscaras caíram.
No meio de uma polarização política insuportável, em que apenas os radicais assumiam suas preferências partidárias sem encabular, dada a precariedade dos candidatos, a varíola dos macacos chegou a ser vista com um assunto substituto, uma espécie de carro-chefe de um novo momento, na medida em que diferentes países passaram a noticiar casos novos. Mas ninguém levou muito a sério uma epidemia que arde e coça, mas felizmente não mata.
Mesmo forçando a isenção de quem pretenda ter aprendido alguma coisa neste doloroso tempo perdido, o rescaldo dessa experiência só serviu para confirmar o que já foi observado em outras tragédias até maiores do que esta: o sofrimento prolongado gera mais amargura do que sabedoria e expõe mais mesquinhez do que empatia.
O relato de pais fanáticos, que à beira da morte pela peste exigiram que os filhos, em nome de sua memória amorosa (!), jurassem que jamais se vacinariam, mostra que o limite da radicalidade é a descerebração.
De qualquer forma, a pandemia parece ter ainda uma última missão, curiosa e desconhecida para a nossa geração: podemos fazer de conta que está tudo bem, porque ninguém aguenta sofrer indefinidamente, e por conta disso, passados 30 meses, a mídia e a sociedade alimentada por ela removeram da pauta as notícias da pandemia, mas não dá para ignorar que 250 brasileiros seguem morrendo regularmente todos os dias de uma doença que, por ação das vacinas, se transformou na gripe que se imaginou lá no início, pelo menos para aqueles que acreditam que ciência faz bem pra saúde.
Pela fadiga do sofrimento, desistimos da covid-19, mas ela aparentemente ainda não desistiu de nós.