"A vida não é a que a gente viveu, e sim a que a gente recorda, e como recorda para contá-la." (Gabriel García Márquez em Vivir para Contarla, 2003)
Os contadores de histórias constituem uma categoria à parte na cultura dos povos de todas as épocas. Nos primórdios, eles foram os veiculadores orais do conhecimento, quando não havia outra forma de divulgação, e por isso eram festejados. Depois, quando a escrita surgiu e se disseminou, eles passaram a ser vistos como diferentes, com inegável tendência a serem diminuídos aos olhos críticos de seus pares mais intelectualizados, mas ainda assim com um público numeroso e fiel.
O livro mais famoso da cultura ibérica, Don Quixote de la Mancha (1605), revelou em Miguel de Cervantes um dos primeiros representantes dessa categoria original e criativa. Na era moderna, o mais famoso dos contadores de histórias foi certamente Gabriel García Márquez (1927-2014), que, de tão excepcional, quebrou o círculo hermético da alta erudição e ganhou o Nobel da Literatura em 1982. No seu Não Vim Fazer um Discurso, que é uma espécie de biografia através de alguns dos seus discursos mais importantes, ele diz isso, explicitamente: "Não me peçam para falar de literatura porque eu não entendo disso. Eu sou apenas um contador de histórias".
Pouco importa se a história é ou não verdadeira, desde que seja boa, dizia Ariano Suassuna.
No Brasil contemporâneo, provavelmente ninguém divertiu mais se divertindo com as histórias que contava do que Ariano Suassuna (1927-2014), que admitia que importava muito pouco se a história era ou não verdadeira, desde que ela fosse boa. A maioria dessas histórias não estão escritas, e o YouTube é o fiel depositário dessa cultura que não pode se perder. Seria uma pena se os nossos netos fossem privados de rir, por exemplo, do causo de mulher antipática que foi à casa dele, e na chegada anunciou que viera lhe dizer uma coisa que ele não ia gostar. E ele se antecipou: "Pois então, não diga!". Mas não adiantou. Ela estava determinada e, confirmando que ele era do signo de gêmeos, perguntou: "Você sabia que dizem que as pessoas de gêmeos têm duas caras?". E ele respondeu "E a senhora acha que se eu tivesse duas caras eu iria usar esta daqui?". E todos riam, e ele ria mais do que todos.
Para quem gosta de boas histórias, a internet oferece acesso a verdadeiras preciosidades, muitas das quais, por mérito, viralizaram na rede.
Selecionei duas para compartilhar:
"O major do exército americano Robert Whiting, um senhor de 83 anos, chegou a Paris de avião. Na alfândega francesa, demorou alguns minutos para localizar seu passaporte na bagagem de mão. O funcionário da alfândega, sarcasticamente, o repreendeu: 'Se o senhor já esteve na França, devia saber que mostrar o passaporte é obrigatório e devia tê-lo pronto para apresentá-lo'. O velho major, constrangido, disse: 'A última vez que estive aqui, não precisei mostrá-lo'. O funcionário da alfândega, já com a voz mais alta, disse: 'Impossível. Os americanos sempre precisam mostrar seus passaportes à chegada à França!'. Então o major Whiting lançou um olhar longo e duro aos franceses e explicou em voz baixa: 'Bem, quando cheguei à praia de Omaha Beach, no Dia D, em 1944, para ajudar a libertar este país, não consegui encontrar um único francês para mostrar-lhe meu passaporte'."
"Quando emigrou para os EUA, Albert Einstein lecionou na Universidade de Princeton. Um dia, saindo de New Jersey de trem, foi abordado pelo cobrador e não conseguia encontrar o tíquete. Foi prontamente identificado pelo cobrador, que lhe disse: 'Não se preocupe, eu já o reconheci', e foi adiante. Quando ia passar para o vagão seguinte, olhou para trás e viu o professor ajoelhado, procurando algo embaixo do banco. Voltou e repetiu: 'Professor, eu já lhe disse para não se preocupar com o tíquete, porque eu sei quem o senhor é!'. E Einstein teria respondido: "Obrigado, mas eu também sei quem sou, mas preciso muito descobrir para onde eu estou indo!'."