Quem já viveu esta situação sabe o quanto custa manter a esperança.
Ele foi admitido no setor de medicina interna com sinais de infecção não controlada, com febre persistente e dor abdominal. Se um quadro infeccioso sempre assusta pela imprevisibilidade, quando esta situação é transferida para um paciente imunodeprimido o risco cresce exponencialmente. Pois esse cenário envolvia o Evandro, um homem de 50 e poucos anos, transplantado de rim aos 29.
Depois de uma melhora inicial com o uso de antibióticos, iniciou um quadro acelerado de septicemia, que, agora já se sabia, fora provocada por uma extensa diverticulite.
O quadro infeccioso generalizou-se e, nessa condição, o envolvimento pulmonar é uma complicação quase inevitável e associada a alta mortalidade.
Apesar do uso de doses crescentes de oxigênio por meio de máscaras de alto fluxo, o Evandro passou a exibir sinais de fadiga ventilatória, decorrente do esforço progressivo de manter-se respirando. Quando chegou ao limite, com queda temerária da oxigenação, a intubação tornou-se obrigatória. Ele, que até então se mantinha submisso às recomendações do intensivista, quis conversar com o especialista responsável pelo transplante e pelos vários anos de cuidados subsequentes.
Quem já viveu esta situação sabe o quanto custa manter a esperança, quando o som das palavras já não soa verdadeiro e o único impulso é abraçar.
A esta altura, o nefrologista, relator dessa história, fez um parêntese para comentar que usualmente tornava-se amigos dos pacientes pelo carinho que lhes dedicava, mas também e muito pela necessidade de acompanhamento perene, vivessem o quanto os dois, médico e paciente, vivessem. Depois de uma pausa, acrescentou que o Evandro era um paciente especial, por atributos de confiança, generosidade e gratidão ilimitados.
Com esse estado de espírito, o nosso doutor acelerou o passo para socorrer um dos seus queridos. Ao entrar na Unidade de Terapia Intensiva, encontrou o amigo que, apesar de arfante e sudorético, conseguiu sorrir ao estender-lhe a mão arroxeada.
Então inicia-se um diálogo que mistura em doses generosas confiança, angústia, desespero por continuar vivendo e medo de não conseguir:
— Meu querido doutor, tu achas que esta máquina vai me ajudar?
O medo de que já fosse tarde demais se diluiu na afirmação vigorosa:
— Claro que sim. Tu vais poder descansar, e com a oxigenação garantida teremos o tempo de ver os antibióticos funcionarem.
E então, com tudo explicado e coerente, veio a pergunta inesperada:
— Doutor, e eu vou morrer?
Quem já viveu esta situação sabe o quanto custa manter a esperança, quando o som das palavras já não soa verdadeiro e o único impulso é abraçar. E foi isso que o Ivan Antonello, um desses médicos para ser copiado, fez. Mas ao sentir o corpo do amigo soluçando no abraço de náufrago, não conseguiu segurar o seu próprio choro. E então, como só pode ocorrer em relações humanas de intensidades proporcionais, inverteram-se os papéis. E o paciente assumiu o comando:
— Não chore, meu doutor. Lá atrás, quando falaram que meu rim não tinha jeito, sim, eu estava morrendo de medo. Afinal, eu só tinha 29 anos e dois filhos pequenos. Agora, vivido este tempo que o seu transplante me presenteou, meus filhos tornaram-se adultos autônomos, e um deles até me deu um netinho, o maior presente da minha vida. Então não chore, doutor, nós somos uma dupla de sucesso!
Quando a intensidade afetiva rompe a barreira de uma pretensa hierarquia, não mais surpreende que o paciente amoroso possa, no limite da gratidão, ser médico do seu médico.