“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida.” (Vinicius de Moraes)
Não fomos concebidos para a solidão, ainda que alguns, os esquisitões, cultivem-na por opção. Então, que tal se no meio desse infindável isolamento compulsório alguém decidisse criar um grupo do “bar virtual”?
Afinal, poderíamos trocar confidências, cada um bebendo na sua própria poltrona, rememorando o tempo passado e, vamos lá, reconhecendo que, se tivéssemos percebido antes o quanto era bom, teríamos aproveitado mais.
Três assuntos seriam proscritos, sob pena de exclusão do grupo: peste, crise e caça aos culpados.
Assumindo que arrependimento não conserta o passado, vamos organizar melhor o futuro. Começando por parar com as lamúrias e tentar fazer deste happy meeting o mais relaxante possível. Como chegaremos para o webpapo depois de mais um dia de notícias amargas, imagens escabrosas e acusações oportunistas, precisaremos nos proteger, e três assuntos seriam proscritos, sob pena de exclusão do grupo: peste, crise e caça aos culpados.
Reconhecendo que estamos carentes dos nossos amigos, e consumidos com esta sensação horrível de que pela impossibilidade de abraçá-los eles possam estar esquecendo da gente, com as memórias escorrendo pelo vão largo da saudade, vamos tratar de acarinhá-los. Então, estabeleçamos critérios amenos para o nosso bate-papo, que incluam os efeitos humanizantes de emoção, inocência, humor e criatividade, esses atributos que qualificam a vida. E já anunciemos que, a partir de amanhã, este webhall estará aberto a histórias de amigos novos que reúnam essas características. As melhores serão publicadas aqui, nesse espaço. A primeira história é uma mistura comovente de inocência e curiosidade:
O Julinho recém aprendera a contar até 100, e o pai lhe pediu que ligasse para o avô, que estava de aniversário. Ocorreu este diálogo:
— Oi, vô, parabéns! E quantos anos você tem?
— Setenta e um, meu queridinho.
— Nossa vô, e você começou do um?
A segunda história é maravilhosa: a doutora Talita Franco é uma brilhante cirurgiã plástica e pessoa de doçura incomum. Operou no ambulatório do hospital universitário uma lesão de pálpebra do seu Carlos, um velhinho cego, guiado sempre por sua esposa, e ficou impressionada com a humildade do casal, com aquela resignação silenciosa dos pacientes do SUS. Combinou a volta em quatro dias para a retirada dos pontos. No dia marcado, com uma fila enorme de pacientes, por uma falha do sistema ela não foi avisada de que seu Carlos retornara. Só quando chegava em casa, do outro lado da cidade, lembrou dele.
Consumida de culpa, pensou naquele homem modesto, mais uma vez humilhado, no dinheiro da passagem, no cansaço de ter acordado cedo, na fome àquela hora tardia. Ligou para o hospital, e a enfermeira confirmou que, depois que todos já tinham saído, notara aquele casal de velhinhos, no salão vazio. Tinham esperado por horas, mas como ninguém lhes chamara, não tiveram coragem de perguntar. Não podendo mais serem atendidos, foram embora. A doutora passou o resto do dia em diligências para conseguir o endereço do seu Carlos. Telefone não havia. As referências eram precárias. Tratava-se de um morro sem ruas assinaladas. Conseguiu uma espécie de Centro Comunitário, e para lá mandou um telegrama com um texto enorme, onde se desculpava e pedia que voltasse no próximo dia de ambulatório e, assim que chegasse, mandasse lhe chamar.
No dia aprazado, ela chegou cedo e, pouco depois, ouviu uma voz forte, dizendo: “A doutora Talita está esperando por mim!”. Quem adentrou na sua sala era um homem transformado. O Sr. Carlos parecia ter crescido alguns centímetros. Aprumado, bem vestido e sorridente. Os olhos sem brilho se enrugavam no sorriso. A mulher, de braço dado, aquela que o guiava em sua cegueira, agora parecia guiada por ele.
Repetida a explicação e renovado o pedido de desculpas, os dois disseram que acabou sendo muito bom, porque o telegrama no morro fora um sucesso. Ninguém jamais havia recebido algum, e o casal passou a merecer maior respeito e atenção dos vizinhos. A dignidade tinha sido resgatada por um gesto simples, mas que se opusera à humilhante sensação de insignificância.