"Nascer é uma possibilidade. Viver é um risco. Envelhecer é um privilégio!"
(Mario Quintana)
Não há, no reino animal, um ser tão dependente de ajuda ao nascer quanto o homem. Tendo como único instrumento de defesa a inespecificidade do choro, ele tem que administrar com esperteza o limitado potencial deste recurso, variando em decibéis desde o choramingo até o choro estridente e irritante. E, às vezes, muito irritante, dependendo do grau do parentesco do ouvinte ocasional.
E esta necessidade se prolonga, de tal maneira que enquanto algumas espécies já morreram de "velhas", e a maioria está em plena maturidade e autonomia, os humanos estão ainda remanchando com necessidades básicas e sendo festejados, sem constrangimento, pelos pais amorosos quando conseguem vencer dependências que, comparadas com as de outras espécies, parecem ridículas — como abandonar bico e dispensar as fraldas.
Como as agressões do padrasto não despertaram na mãe a fúria primitiva da felina?
Por estranho que possa parecer às outras espécies (e quem saberá o que elas pensariam, se pensassem?), é exatamente nesse período inicial de convívio e fragilidades que construímos os laços afetivos mais fortes com nossos filhos. É quando daríamos qualquer coisa para assumir uma dor que os atormente. Essa realidade só é ridicularizada por quem, não tendo tido filhos, ainda foi beneficiado pelo esquecimento dos incômodos e sustos que provocou na dupla que não dormia e não comia e que velou sua maravilhosa descendência como se todas as viroses da infância fossem fatais.
A rotina é que a necessidade de agradecer por esses "serviços prestados" só surja de forma pungente quando eles próprios têm filhos. Fazendo a roda girar, finalmente descobrem o verdadeiro sentido de ser pai e mãe.
Com olhar crítico, sem nenhum viés afetivo, ainda é muito difícil determinar com precisão quando o ser humano se habilita à autodefesa, mas certamente é depois da adolescência, isso segundo os especialistas em desenvolvimento humano. Porque na opinião da maioria das mães essa dependência nunca é atualizada. E por isso a mãe de verdade não tem nenhum constrangimento de se comportar, enquanto viver, como a felina mais primitiva, sempre disposta a morrer para proteger a sua cria, que nunca terá idade para dispensar este cuidado.
Pelo somatório de razões e experiências, quem trabalha com crianças doentes, principalmente se tem filhos e netos, desenvolve uma espécie de sensor para detecção do mais denso afeto familiar, que se revela no rosto sem maquiagem, na profundeza das olheiras, na vermelhidão dos olhos, na prontidão das lágrimas e na inquietude das mãos.
O desenvolvimento instantâneo de empatia explica porque os médicos mais afetuosos, muitas vezes, debruçados durante horas sobre a complexidade de um caso, não esquecem de mandar recados tranquilizadores para as mães, consumidas de angústia na sala de espera.
Confiando que essas atitudes sejam normais, simplesmente por serem as mais frequentes (e não é este o conceito de normal?), choca tanto que um menino lindo, sem as mínimas condições de autodefesa, cuja expressão de desespero era tamanha que não conseguia controlar o vômito quando via o padrasto, tenha sido imolado pelo psicopata sem ter antes despertado na mãe a fúria primitiva da felina, que para defender a cria ameaçada nunca precisa ouvir a opinião de ninguém.