Há muitos anos, tenho me preocupado em estabelecer estratégias que funcionem como balizador da atitude médica, não através de protocolos frios, mas servindo-me do árbitro mais comprometido com essa avaliação: o próprio paciente. De tanto perguntar o que tinha sido inesquecível da experiência hospitalar, muito aprendi a identificar a enorme distância entre o sentimento do paciente vivendo seu inferno astral e o médico amortecido por sua rotina dessensibilizante. Nos últimos anos, as melhores escolas têm insistido na valorização dos padrões de qualidade do trabalho médico muito em função do crescimento exponencial das reclamações, cada vez mais expressas como demandas judiciais. Nós ainda não sabíamos bem se o jeito moderno de ser médico agradava ou incomodava os pacientes, porque os bancos de dados, em geral, não estavam interessados no que eles sentiam. Na maior parte do tempo, ignorávamos solenemente a única opinião realmente importante de toda a cadeia, apesar de esta ser uma equação constrangedora de tão simples: paciente infeliz = médico equivocado.
Uma pesquisa em um hospital universitário identificou como principais queixas dos pacientes a incapacidade de ouvir, a pressa em encerrar o atendimento, a desconsideração com o tempo de espera e a falta de vínculo decorrente da alta rotatividade dos “médicos”. A pesquisa começou com alunos a partir do terceiro ano da graduação e se estendeu até o final da residência médica. A aferição do rendimento do estudante, fugindo do convencional, não contabilizava o desempenho acadêmico, mas simplesmente as notas atribuídas por pacientes, familiares e funcionários.
Uma observação inicial considerada surpreendente foi a predileção pelo atendimento dos terceiranistas, justamente os menos qualificados tecnicamente, mas, muito por isso, mais afeitos a ouvir. Na medida em que o estudante avançava no curso, aparentemente se tornava mais soberbo e menos tolerante à ignorância dos incautos.
A observação curiosa é que esta discrepância entre qualificação técnica e intolerância se propaga também à pós-graduação, e possivelmente depois dela, até a aposentadoria dos pretensiosos. Felizmente, esse comportamento não é constante e dele se salvam todos os médicos de verdade que, por terem descoberto o fascínio da reciprocidade de afeto, nunca se bastam do encanto que move esta usina de gratidão.
O Cleber foi um aluno questionador e meio irreverente. Se durante a aula abordávamos um tema da relação médico-paciente que incluísse alguma emoção, era certo que, no final, ele alongaria a conversa para algum comentário sempre inteligente, mas com uma boa dose de ironia. Não via o Cleber desde a formatura. Um dia desses, o encontrei na saída do Centro de Transplantes e perguntei se estava trabalhando na Santa Casa. A resposta inicial identificava a figura debochada de sempre: “Não, professor, eles ainda não se deram conta do talento que estão desperdiçando! Agora, falando sério, vim lhe procurar porque hoje perdi um paciente querido, relatei para a família o que tinha ocorrido, eles me abraçaram e agradeceram comovidos, e tive que correr para o carro porque não queria que me vissem chorar. Então, me apressei em lhe mostrar que estou melhorando!”.
Não sei o que me deixou mais feliz: se o Cleber se descobrindo médico ou a pressa em me contar a descoberta.