A necessidade que as pessoas sentem de anunciar gratidão eterna com frases padrão como "O senhor vai estar para sempre nas minhas orações" ou a menos religiosa "Enquanto eu viver, vou agradecer todos os dias o que o senhor fez por mim!" expressa apenas o desejo inicial de que este sentimento se perpetue além do prazo exíguo que o tempo, um incorrigível borrador das boas lembranças, permitirá.
Baseado na minha larga experiência, a gratidão deixada quietinha, sem reforços periódicos, se dissipa numa proporção de mais ou menos 20% ao ano. De onde essa cifra? Da observação de que, a cada cinco anos, os presentes de Natal são progressivamente substituídos pelos dos novos agradecidos. E não seja inconveniente de se oferecer para refrescar a memória do agraciado, porque pior do que não ser lembrado é perceber que o outro está tentando, com um discurso sem emoção, parecer minimamente educado diante da saia justa do esquecimento involuntário. O tempo e a intensidade da gratidão também são variáveis e claramente diferentes entre pacientes que pagaram pelo atendimento, e se comportam com frequência como se no pacote dos custos estivesse incluída a disponibilidade ilimitada do médico, e o paciente do sistema público de saúde que, na sua humildade e subserviência, se mostra infinitamente grato pelo atendimento que recebeu com a consciência de que, por ele, nunca poderia pagar. Claro que as regras e as exceções moram dos dois lados da cerca, mas em geral, de onde menos se espera, daí mesmo é que não sai nada.
A Eulália trabalhava como representante de uma marca de produtos de beleza, que vendia de porta em porta. Numa dessas andanças, foi atropelada, sofreu lesões graves, esteve intubada durante semanas, recebeu uma traqueostomia e, depois de dois meses, foi para casa com esse buraco no pescoço porque um estreitamento alto na traqueia impedia a passagem de ar. Respirando por essa abertura e incapaz de emitir qualquer som, foi aposentada por invalidez. Cinco anos depois, quando a conheci no ambulatório do SUS e lhe disse que era possível reconstruir a passagem do ar de modo que ela pudesse respirar pela via normal e voltar a falar, ela me abraçou agradecida. Mesmo descontada a taxa de exagero que muitas vezes macula essas reações, aquele choro parecia do bem. Uma semana depois da cirurgia, respirando pelo nariz e se comunicando com uma voz levemente rouca, ela teve alta hospitalar. Na despedida, profundamente emocionada, jurou amor eterno, beijou-me as mãos abençoadas, e voltou para a vida. Ela parecia muito feliz, e eu estava, por ela e por mim.
Oito meses depois, recebi uma intimação para depor numa audiência em que uma paciente requeria indenização por danos morais porque, como consequência de uma operação que eu fizera, ela ficara com uma voz rouca, que lhe reduzia a condição funcional como vendedora. O advogado leu o arrazoado enquanto a Eulália encarava o assoalho. A juíza, estupefata e incrédula, pediu que ela resumisse a história e perguntou o que a movera a entrar com esta ação, e ela confessou: "Eu não queria processar o doutor porque ele foi muito bom comigo, mas o meu vizinho, que é advogado, me explicou que eu tinha direito a indenização porque o doutor deve ter feito alguma coisa errada, senão a minha voz teria ficado normal". Arquivada a denúncia por ridícula e improcedente, fomos liberados. O tom de voz alto e forte com que ela anunciou a justificativa era o meu melhor elemento de defesa. Com aquela voz, ela venderia qualquer coisa. Menos dignidade, porque o estoque tinha acabado.
Voltei para o hospital aliviado, mas desconfortável. O desafeto machuca mais do que qualquer pedido de reparação financeira. Desconfio que a Eulália sabia disso, porque em nenhum momento ela me olhou. A vergonha, como se sabe, coloca chumbo nas pestanas dos envergonhados.