Para comprovar que, na essência, não mudamos, David Hume, já em 1738, no seu Tratado da Natureza Humana, fez uma observação que define a índole média das pessoas do bem: "Ninguém é completamente indiferente à felicidade ou à miséria dos outros". Algumas pessoas entendem que isto não é uma virtude, mas sim um sentimento, que pode receber a denominação de empatia. Curiosamente, há mais discrepância em relação à felicidade do que à desgraça, ou seja, estamos mais condicionados à solidariedade na dor do nosso vizinho do que na exaltação de suas conquistas. É verdade que aqui entra a inveja como um componente contaminador dos afetos mais nobres, impondo que a felicidade alheia seja interpretada como uma afronta.
Enquanto a mídia, necessitada de heróis, e a população comum, carente de ídolos, festejava a façanha do comandante Sully, que, em janeiro de 2009, conseguiu pousar seu avião avariado no Rio Hudson, em Nova York, com seus 155 passageiros intactos, as comissões de controle e vigilância da rede aeroviária americana se desdobravam em esforços, através de simuladores, empenhadas em provar que o pouso nas águas geladas do rio tinha sido uma irresponsabilidade, visto que, na opinião dos peritos, era possível voltar ao Aeroporto de La Guardia para uma aterrissagem segura. O comandante Sully se defendeu brilhantemente, alegando que os simuladores tinham iniciado a "volta para o aeroporto" logo depois de constatada a obstrução das turbinas por pássaros, ignorando o fator humano que inclui surpresa, medo, responsabilidade e o agravante de decidir sob a pressão do improviso. Quando a comissão ordenou que todas as simulações tivessem um tempo de espera de 35 segundos, antes de serem iniciadas as manobras de "retorno", nenhum dos aviões virtuais conseguiu "pousar". A impressão que ficou do excelente filme de Clint Eastwood é que o sucesso meteórico do comandante Sully se tornou insuportável aos olhos dos que nunca tinham feito nada que justificasse uma participação no programa de David Letterman, numa dessas vilanias da espécie humana a dar razão ao cinismo inteligente de Oscar Wilde que escreveu: "A cada bela impressão que causamos, conquistamos um inimigo. Para ser popular é indispensável ser medíocre".
No mundo da ciência, cada conquista foi historicamente acompanhada de uma reação furiosa dos que, não tendo sido capazes de fazer, se rebelavam contra os que tinham tido a ousadia da criatividade, e quase todas as grandes invenções se acompanharam de rumorosos processos que lotaram tribunais de tacanhos sedentos. Meu amigo Paulo Prates, um estudioso da história da medicina, recuperou uma das melhores passagens no campo da cirurgia cardíaca, sua especialidade. O professor Denton Cooley, um ícone daquela cirurgia em todos os tempos, nos meados dos anos 1970, participou de um audacioso projeto de desenvolvimento de um coração artificial, uma quimera embalada ainda hoje. Testada a engenhoca num paciente moribundo, que acabou falecendo, ninguém se interessou em valorizar a ideia brilhante e o avanço potencial que isso significava. Pareceu muito mais adequado aos seus detratores processá-lo por imprudência. Só um cérebro privilegiado daria aquelas respostas ao promotor.
– Doutor Cooley, o senhor se considera o melhor cirurgião cardíaco do mundo?
– Sim, Excelência.
– O senhor não acha que isso é falta de modéstia?
– Pode ser. Mas Vossa Excelência não pode esquecer que estou depondo sob juramento!
Entenda-se a fúria do arguidor. Nada atropela tanto a autoestima do invejoso quanto a consciência de que a resposta que o derrotou merecia ser aplaudida.