A facilidade de comunicação entre desconhecidos permite que nos tornemos amigos quase íntimos de indivíduos que nunca vimos pessoalmente. E algumas dessas relações virtuais, muito dependentes da sonoridade da voz, têm graus permanentes de empatia e afeto. Outras vozes, por alguma estranha razão agrupadas em vários serviços de telemarketing, têm uma entonação tão desagradável que desencadeiam uma reação de repulsa instantânea que pode, nas formas mais graves, se acompanhar de urticárias, crises de asma e, em casos extremos, em exacerbações de psoríase.
Foi pela voz que comecei a gostar do Jair, de quem nunca soube o sobrenome. E nem precisava, porque "eu sou o Jair" era uma espécie de grife como recepcionista, secretário e telefonista da Engex, uma grande e competente construtora, que há 30 anos aceitou começar o projeto da minha casa própria.
A voz forte e inconfundível trazia sempre a certeza serena de que tudo ia se ajeitar. Esta serenidade, e isso aprendi com ele, criava rapidamente uma blindagem à grosseria se alguma coisa saíra errado, porque logo se aprende que cordialidade gera cordialidade, e havia naquela voz uma gentileza inata, dessas que não se treina nem se ensina, infelizmente.
Durante os anos que se seguiram, foram incontáveis telefonemas para pagamentos, dúvidas, pedidos e queixas, sempre elas, porque a vida nunca é fácil para ninguém e não iríamos inaugurar uma planície justamente naquela fase da vida de planos mirabolantes e orçamentos em conflito.
Três anos depois, quando mudamos para a casa nova, os telefonemas ficaram mais escassos, mas nunca cessaram, porque quem tem casa tem problemas. O que nunca mudou foi a gentileza do Jair e aquele: "O que podemos fazer pra lhe ajudar, meu doutor?". Sempre seguido do: "É pra já que vamos resolver!". Quase dava vontade de torcer por algum vazamento ou curto- circuito que preservasse a proximidade.
No início de novembro, entrou no consultório um mulato alto, ofegante, tossindo muito, extremamente emagrecido. Sentou-se e tomou um tempo para se recompor. Quando foi a minha vez de perguntar: "O que posso fazer pra lhe ajudar?", veio o impacto da voz inconfundível: "Eu sou o Jair, da Engex".
Não sei ainda o que mais me marcou daquela consulta: a péssima condição clínica do Jair, vítima de um tumor muito agressivo de pulmão, ou a descoberta de que acabáramos de completar 30 anos de uma relação de afeto recíproco, sem que ela, ao menos, tivesse se materializado num mísero aperto de mãos.
O abraço demorado da despedida não serviu para amenizar a minha enorme frustração de, diante de um câncer terminal, não ter nada para mudar o rumo. Havia uma grande tristeza no olhar, provavelmente à espera que eu pudesse retribuir o seu tradicional "É para já que vamos resolver". Uma promessa impossível, por falsa que parecesse, se justificaria, mas eu fiquei calado.
Agora que ele morreu, restou a sensação de dívida pendente, que podia ter sido minimizada com uma frase, qualquer frase, que fosse mais generosa do que a verdade cruel encravada no silêncio.