A maioria das pessoas renuncia a qualquer cargo de direção para escapar do dilema de decidir, e transita leve e solta pela planície dos que têm quem decida por eles. Quando se pretende poupar alguém dessa angústia, é comum que se criem comissões que servem apenas para dar ao líder, que circula entre eles, a ilusão de que a escolha final será compartilhada. Nunca é, porque mais de uma cabeça significa mais de uma opinião e, no final, alguém tem de desempatar e, de novo, o infeliz estará solitário como sempre esteve desde que o elegeram chefe.
Relendo O Mais Longo dos Dias, que descreve a maior invasão armada da história, que marcaria o início do fim da II Guerra Mundial, me condoí com o sofrimento visceral do general Dwight Eisenhower, escolhido comandante supremo da operação que estava determinada a mudar a história da humanidade, para o bem ou para o mal. Tudo tinha sido meticulosamente planejado para que o elemento surpresa compensasse as enormes fortificações construídas pelos nazistas para barrar a entrada dos invasores. As praias francesas da Normandia foram escolhidas como local de acesso por ser considerado o menos provável em toda a costa. Havia rumores de que a invasão se aproximava e, então, desabou um temporal. As previsões meteorológicas eram tão assustadoras que os alemães baixaram a guarda: ninguém era maluco de se jogar no mar com um tempo daqueles. A descrição do general caminhando solitário na costa da Inglaterra é comovente. De um lado, a necessidade de aproveitar a lua cheia, indispensável à descida dos milhares de paraquedistas e que expiraria em dois dias. Do outro, a tempestade ambivalente: em troca do benefício de surpreender o inimigo, estava atrelado o risco potencial de devastar a sua própria armada, composta por 5 mil navios que cruzariam o Canal da Mancha sacudidos por ondas gigantescas.
A decisão temerária, mas acertada, de invadir pôs fim ao delírio hitlerista, mas ninguém sofreu mais do que Eisenhower que, depois de uma protelação angustiante de 24 horas, com os soldados vomitando as tripas nos navios ondulantes, ordenou que invadissem. Fácil imaginar o alívio dele quando ficou evidente que a vitória dependera da aposta no improvável. É sabido que a angústia não é a melhor conselheira mas, muitas vezes, a ansiedade precipita a decisão quando se chega ao ponto de preferir-se o erro e a culpa ao convívio indefinido com a dúvida e a covardia.
No fundo, consideradas as proporções absurdamente diferentes, todos temos as nossas batalhas particulares, com decisões que podem marcar o destino das nossas vidas e das pessoas que apostaram que, na hora certa, saberíamos o que fazer.
Os membros do comando militar referiram que o general pareceu muito estranho naqueles dois dias, certamente esmagado pela descoberta de que as decisões mais importantes são intransferíveis exercícios da mais absoluta solidão. Um coronel relatou sua surpresa ao vê-lo caminhando sozinho na praia e gesticulando como se estivesse pedindo ajuda. A maioria das pessoas, terrificada pelo risco do fracasso, apela para forças que não consegue tocar, mas precisa acreditar que existam, para socorrê-las. Como um soldado que escreveu num cartão que foi mandado para sua mãe junto à medalha de herói: "Oh, meu Deus, Tu sabes que nestes dois dias estarei muito ocupado. Se eu me esquecer de Ti, por favor, não Te esqueças de mim!". Uma lástima que Deus estivesse, Ele próprio, atarefado demais para atender a todas as súplicas.