As dificuldades que o Estado construiu para si por gestões incompetentes ou irresponsáveis (pode-se mudar o adjetivo sem risco de erro ou injustiça) somadas à catástrofe gerencial do país dilapidado por um governo central que misturou, em proporções trágicas, imprevidência administrativa com populismo desregrado, construíram um cenário que todos admitem ser uma crise sem precedentes e de escassos horizontes.
Os que têm mais de 50 anos devem ter convivido com meia dúzia dessas crises, de modo que, para eles, o "sem precedentes" tem um significado atenuado.
Mas algumas peculiaridades desta crise talvez mereçam uma apreciação. Em primeiro lugar, no RS se percebe uma diferença: ela não é produto do fracasso do planejamento de quem governou no trágico ano de 2015. Não. Quem assumiu há pouco mais de um ano já recebeu o pacote pronto, autorizando-nos a acreditar que quem saiu deve ter ficado aliviado com a perda da reeleição.
Em nível federal, ficou claro que a preservação do poder era o único projeto, mesmo que, para isso, o país resultasse destroçado, e quem perdeu a eleição adquiriu o direito de pensar: "Meu Deus, do que escapei!".
A última desculpa plausível era transferir a responsabilidade à crise internacional, subestimando a inteligência e memória dos que, em 2009, na verdadeira hecatombe mundial, ouviram nossos mandantes festejarem orgulhosamente a solidez da nossa economia. A recapitulação do que se disse e a comparação com o que se diz deixaram uma única tarefa: identificar quando se mentiu.
Mas nunca tínhamos vivenciado crise de tal proporção no primeiro ano de nenhum governo, por isso ficamos meio desorientados com os desdobramentos. Como não há eleições no horizonte, a menos que haja uma quebra de ritual, e três anos em administração são uma eternidade, entende-se o desespero da população quando percebe que os únicos índices em crescimento vertiginoso são os do desemprego e da violência.
Outro aspecto assustador é que, em nenhum nível, parece haver um projeto claro de reconstrução (e se houvesse, por que retardar o anúncio pacificador?), de modo que a determinação implícita é: que cada um cuide de si mesmo. Como se pode presumir, em economia esse estado de ânimo tem um efeito altamente imobilizante.
O recente recado das ruas é um apelo candente por mudanças, partindo da constatação, em todas as áreas, de que nada é pior do que a paralisação fomentada pelo desânimo.
Os médicos sabem como ninguém o quanto se pode adoecer do medo da doença, e os economistas admitem que sempre é possível piorar quando todos decidem puxar o freio de mão, pressionados pela incerteza do mercado.
Acho que não temos o direito de interromper o que sabemos fazer bem, à espera de soluções geradas por cabeças incapazes de administrar a si mesmas. Não se vai a lugar nenhum de braços dados com quem se agarrou ao corrimão da insegurança por medo de ir adiante.
E não será a primeira nem a última vez que sobreviveremos, apesar do governo.