É realmente muito esquisito viver numa época em que a função de lutar pelas liberdades individuais passou a ser exercida, basicamente, pelo governo — e não pela sociedade civil, no grande leque de instituições que vai da mídia e da OAB até as entidades de representação profissional e os partidos políticos. Está acontecendo no Brasil de hoje, o tempo todo. A última manifestação desta anomalia é a batalha, travada nos tribunais e no Congresso, em favor da liberdade de expressão. Quem está a favor da liberdade é o governo. A maior parte daquilo que se chama de “forças democráticas” está contra. Pode?
É assim que o governo, depois de tentar sem sucesso aprovar uma medida provisória, enviou ao Congresso um projeto de lei para limitar a interferência das grandes plataformas de comunicação na publicação de informações, opiniões ou notícias produzidas por seus usuários. A todo e qualquer instante, Twitter, Facebook, Instagram e demais operadores dessas redes eliminam o que não querem ver publicado.
As plataformas chamam a isso de “moderação”. O nome real para o que fazem é censura. Ninguém trabalha, no dia a dia da vida real nas redes, num exame criterioso do material enviado para publicação — o que acontece é a proibição e punição sistemáticas de tudo o que consideram de “direita” ou politicamente errado.
As punições não se aplicam a conteúdos específicos; o sujeito é reprimido pelo conjunto da obra, ou porque a rede não vai com a cara dele, e sempre sem explicação nenhuma. A lei, para tudo, exige que se diga com precisão porque “A” ou “B” está sendo acusado de alguma coisa. Na internet não precisa.
O projeto de lei do governo pede que seja aplicado na área o que está previsto na Constituição, no tocante aos princípios mais elementares da liberdade de expressão e de pensamento. O texto é um hino à moderação. Não proíbe as plataformas de removerem publicações ou de suspenderem a participação de usuários, ou de “perfis”. Estabelece, somente, que o usuário seja informado com clareza qual a regra que ele desrespeitou e que tenha a oportunidade de fazer uma defesa prévia.
Ficam expressamente proibidos, no texto da nova lei, qualquer apoio à prática de crimes contra a vida humana ou à dos animais, ao terrorismo e ao tráfico de drogas, a discriminação racial ou de orientação sexual — e por aí vamos. Não ficou faltando nada. Ou melhor: só não fica aberta a possibilidade de fazer censura porque o censurado é bolsonarista ou defende a cloroquina.
Não há nada no projeto que possa ser considerado como um incentivo ao ódio, à mentira ou ao totalitarismo. Como seria possível achar que alguma coisa neste texto não é razoável? Mas pode estar certo de que os jornalistas, e junto com eles todo o universo social-democrata, equilibrado e intelectual, vão ficar horrorizados — a tentativa de defender a liberdade vai ser denunciada como um ataque à liberdade. É onde estamos.