Os russos ainda estão na Ucrânia devido ao tamanho de sua máquina de guerra, colossal se comparada com a de qualquer outro vizinho da Europa. Fosse julgar pelos equívocos cometidos por eles desde que invadiram o território ucraniano, em fevereiro de 2022, não teriam conseguido manter controle do terreno. Muito menos poderiam resistira a uma contraofensiva das tropas ucranianas — já anunciada várias vezes pelo Ocidente, mas que ainda não aconteceu.
Este colunista ouviu um dos mais experientes generais brasileiros, hoje reservista, Sergio Etchegoyen (que atuou como ministro-chefe do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência). De família conceituada nos quartéis, ele é um expert em táticas e estratégias.
Etchegoyen ressalta que, conforme doutrinas militares, as fases de uma campanha envolvem: mobilização, concentração estratégica, avanço, conquista de objetivos, consolidação e administração do terreno conquistado. Pois o general acredita que os russos cometeram erros em todos esses pontos. Por partes:
- Na mobilização, foram usados recrutas inexperientes e falhou o apoio logístico.
- Na concentração estratégica, erraram na seleção do tipo de tropa.
- No avanço, aparentemente faltou treinamento e liderança, tanto que vários generais foram mortos ao terem de se expor no cenário de batalha.
- Para a conquista territorial, os carros de combate foram empregados sem atender princípios básicos da doutrina (com acompanhamento de infantaria e proximidade de cobertura aérea).
- Faltou unidade de comando, com brigas públicas entre a milícia privada Wagner e as Forças Armadas da Rússia. "Uma luta fratricida, com nítido objetivo político", resume Etchegoyen.
Etchegoyen acrescenta a esses outros equívocos: não houve elemento surpresa (o volume de tropas russas na fronteira tornava visível a iminente invasão da Ucrânia) e a capacidade aérea não foi usada a pleno pelos russos, além de ter falhado na coordenação com as tropas terrestres.
Mesmo assim, terá sucesso na sua busca por um naco do território ucraniano? Talvez, admite o general. Conseguiu um respiro com a conquista de Bakhmut, estratégica cidade do leste, próxima à fronteira russa (mas levou mais de meio ano para isso).
O cenário está mudando, garantem analistas ouvidos pela prestigiada revista britânica The Economist. Alguns exemplos:
Vagas humanas para localizar posições inimigas: a Rússia começou a guerra usando grupos táticos de batalhão (BTGs), com cerca de 800 homens, acompanhados de blindados, artilharia e defesas aéreas. Essas vagas humanas esbarraram na resistência de pequenos grupos ucranianos, dispersos em guerrilha, claramente subestimados pelos russos.
Os russos adotaram agora pequenos destacamentos de infantaria, muitos dos quais formados por prisioneiros recrutados por grupos mercenários (como a milícia privada Wagner). Mesmo com grandes perdas, ao se expor eles revelam as posições da artilharia ucraniana. Só após identificarem os pontos inimigos os russos enviam grupos maiores de infantaria de assalto, com homens mais bem treinados, apoiados por fogo de blindados, morteiros e artilharia.
Fortificações e trincheiras: se uma posição é tomada, ela é fortificada dentro de 12 horas. A velocidade com que a infantaria russa cava trincheiras e melhora suas posições de combate é elogiada até pelos ucranianos. Engenheiro russos têm construído fortificações e pontes, assim como instalado campos minados, por extensões de até 30 quilômetros. É a melhor maneira de manter território.
Drones para a artilharia: a artilharia russa até diminuiu a cadência de tiro (de 12 milhões de cartuchos no ano passado para uma projeção de 7 milhões este ano), mas o uso de drones de reconhecimento cada vez mais eficazes permite aos canhões atingirem alvos ucranianos em até cinco minutos após sua detecção. Isso é auxiliado pelo crescente uso do sistema Strelets, um pequeno computador que conecta drones e sensores em terra a baterias de artilharia.
Tanques atirando a distância: os russos perderam centenas de tanques no ímpeto de avançar com velocidade sobre território inimigo, no início da guerra. Isso mudou. Agora fornecem poder de fogo a distâncias seguras. Mesmo blindados de modelo antiquado, como os T-62 e T-55, possuem canhões eficazes e são uma séria ameaça no campo de batalha, num momento em que a Ucrânia não conta com tantos mísseis guiados antitanques (ATGMs).
Além disso, os tanquistas russos melhoraram a arte de se ocultar, usando camuflagem térmica e combatendo ao anoitecer e ao alvorecer, quando seu registro térmico é menos óbvio. A blindagem reativa dos russos, projetando-se ao explodir, "provou-se altamente eficaz", com alguns tanques resistindo a vários disparos.
Essas mudanças tornam possível aos russos resistir à contraofensiva da Ucrânia, tantas vezes anunciada? Difícil dizer. Mas talvez propicie uma tentativa de garantir, numa mesa de negociações, os territórios ucranianos já conquistados. E Putin poder anunciar vitória.