Até o momento, as Forças Armadas têm resistido ao apelo de muita gente para deflagrarem um golpe militar no Brasil. Deveria ser normal, mas não é pouco, num cenário marcado pela instabilidade política desde 2013, quando os black blocs deram vazão a uma insatisfação que se espalhou feito rastilho de pólvora e insuflou ânimos à esquerda e à direita, com consequências que perduram.
O último episódio foi o cerco feito por centenas de milhares de brasileiros, sobretudo nas regiões Sudeste e Sul, a quartéis do Exército, ao longo desta semana. Nos cartazes clamavam por "Intervenção Federal" para impedir que o eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) tome posse. À boca pequena, golpe militar. Em entrevistas, asseguravam que, assim que Lula fosse afastado do cenário, seriam convocadas novas eleições. Esses manifestantes se mostram inconformados com o arquivamento e anulação dos processos de corrupção movidos contra o ex-presidente (agora, futuro presidente).
Asseguram eleições "sem Lula" com base em que? Necessário lembrar que, em 1964, João Goulart, o presidente Jango (PTB), foi derrubado numa conspiração civil-militar que também prometia eleições presidenciais em breve, sem a presença de partidos de esquerda. O pleito não ocorreu (foram 25 anos sem escolha do presidente pela população).
Quando civis que pretendiam concorrer à Presidência reclamaram, foram cassados pelos militares: o centrista Juscelino Kubitschek (PSD) e os direitistas Carlos Lacerda e Jânio Quadros (ambos UDN), entre outros. Os partidos deles foram dissolvidos. Cassações políticas descaracterizaram o parlamento. Tudo coisa que o leitor já sabe. Por que haveria de ser diferente agora? Rupturas se sabe como acontecem, nunca como terminam. Isso vale para golpes ou revoluções.
Converso esporadicamente com integrantes da cúpula das Forças Armadas. A maioria não gostou da vitória de Lula, mas aceita ela. Aconselham o presidente Jair Bolsonaro a fazer o mesmo. Golpes são traumáticos e muitos resultam em banhos de sangue, guerra civil. Tudo isso foi apresentado. Mas os manifestantes que cercaram os quartéis parecem não entender isso. Querem vencer por decreto as eleições que seu candidato perdeu.
Não foi por falta de pedido que os militares mantiveram a calma ante as multidões que pediam golpe. Foi por profissionalismo. E também por inexistência de condições para uma aventura desse tipo num país gigante e num mundo tão globalizado. Há risco de instabilidade? Sempre há, sobretudo vinda de jovens (militares ou civis), mais propensos a rupturas. Mas tudo indica que agora é vida que segue. O Brasil suspira por um pouco de rotina política, após quase uma década de montanha russa emocional.