Dia desses, cruzei com o Sergio Moro, na saída de um prédio em Porto Alegre. Fomos reapresentados. Ele não demonstrou lembrar de mim (nem deveria). Parecia mais baixo do que em outras ocasiões. Ou será efeito da Lava-Jato minguante?
Lembremos todos do furacão que foi a Lava-Jato. Alguns dos mais notórios políticos e os maiores empreiteiros do país, presos. O juiz Moro alçado à categoria de celebridade, assinando prefácio de livros sobre a Operação Mãos Limpas italiana (que inspirou o lava-jatismo brasileiro). De tal forma que resolveram capitalizar politicamente essa notoriedade - e o próprio juiz aceitou a ideia. Foi sondado para ser ministro de Jair Bolsonaro, ainda quando este era ainda candidato a presidente. Concordou, lisonjeado. Deu no que deu.
Moro deixou de ser juiz e não durou muito no governo. Parece ter percebido tardiamente a diferença entre intenções e fatos, num Brasil quatrocentão em corrupções, pequenas e grandes. Talvez por efeito de estar sempre numa bolha em que se sobressaem membros do Judiciário, do Ministério Público e da Polícia Federal.
Essa bolha, aliás, é motivo da maior crítica já feita ao juiz, a de que combinava passos com procuradores e policiais, ajudando a escolher alvos da Lava-Jato. Sem respeitar o distanciamento processual e dos poderes. Nada que pareça tão incomum assim, só que veio à tona em forma de diálogos vazados à mídia. Daí as suposições de que Moro e o lava-jatismo foram inventados para favorecer um determinado grupo ideológico, os Estados Unidos e outras teorias. Com base nesses diálogos e na alegada parcialidade de Moro, aliás, começam a ser anuladas várias sentenças judiciais. As principais anulações atingem o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), mas não ficam apenas nele.
Mesmo delatores que deram detalhes da corrupção - e inclusive devolveram, no total, R$ 111 milhões, sem serem presos (e não depois, como muita gente fala, sem saber) - agora ameaçam pedir anulação de suas condenações. E querem de volta o dinheiro que eles próprios tinham devolvido. Mas se não houve crime, como devolveram tanta grana? Pode? No Brasil, não surpreende.
O que poucos sabem é que, mesmo agonizante e sem brilho, a Lava-Jato continua. Recentemente foi desencadeada sua 82ª fase, em Curitiba (onde tudo nasceu). A perda de prestígio pode ser quantificada. Foram sete fases em 2014 (quando começou a operação), 15 fases em 2016 (no auge) e só três em 2021. Perdeu também em pedigree. Saíram de cena ministros e tubarões da construção civil, sobram alvos com cargos de gerência e mandaletes políticos de terceiro escalão.
Mesmo quando Moro era ministro da Justiça, a Lava-Jato já estava em declínio, que aumentou com a saída dele. Por decisão da Procuradoria-Geral da República, a força-tarefa específica para investigação do saque na Petrobras, aliás, foi diluída. As investigações hoje estão incorporadas pelos Grupos de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaecos), sobretudo do Paraná e do Rio. Faz sentido, até pela concentração geográfica das ações. A Lava-Jato, conforme o site do Ministério Público Federal, resultou até agora em 174 condenados no Paraná, 183 no Rio e quatro em São Paulo.
Qual o saldo para o país? Além dos presos de colarinho branco, a estimativa oficial é de que sejam recuperados R$ 14,7 bilhões (entre devoluções espontâneas, acordos de leniência, confiscos de bens e multas aplicadas pelo Judiciário). Apesar disso, fico com uma enorme sensação de ressaca. Você não?