O mundo assistiu chocado — e a Europa em particular — a uma reedição, neste fim de semana, de cenas que não eram vivenciadas há quase três décadas. Corpos e mais corpos de civis insepultos, alguns com mãos amarradas, jogados pelas ruas da cidade de Bucha, nas proximidades da capital da Ucrânia, Kiev. Alguns tinham tiros na nuca. Outros, sinais de tortura. Mais cadáveres foram descobertos em valas comuns.
Em Bucha foram 57 mortos encontrados, mas ao todo foram localizados corpos de 410 civis nas cidades próximas a Kiev, informa o governo ucraniano, que atribui o massacre a tropas russas que bateram em retirada, após invadirem a região. A Rússia nega qualquer responsabilidade e insinua que as imagens são "montagem", fake news.
Só que os corpos foram fotografados por jornalistas da AFP e de outros veículos de imprensa. Que colheram relatos de sobreviventes que falam em humilhações, tortura e execuções praticadas pelas tropas russas quando ocuparam a região próxima a Kiev.
Tudo indica que seja mesmo "limpeza étnica" praticada pelos ocupantes russos, mas é preciso investigar. O certo é que os assassinatos são crimes de guerra. Mais do mesmo, num conflito que tem sido marcado por bombardeio sistemático de áreas urbanas povoadas de civis.
A diferença é que o bombardeio, ainda que uma estratégia de terror, não visa indivíduos em particular. Em último caso pode ser alegado erro de cálculo da artilharia...já os massacres como os registrados em Bucha representam o último estágio de degradação numa guerra. A fase de conflito tribal, em que o objetivo é justamente exterminar a sangue-frio o inimigo. Sem piedade. Olhos nos olhos. Incluindo idosos, mulheres e crianças.
A Europa assistiu a isso durante a terceira e mais cruenta Guerra dos Balcãs (região central do continente), deflagrada em 1991 com a dissolução da antiga Iugoslávia e seu regime comunista. Eslovenos, croatas, bósnios e sérvios se dilaceraram num conflito cujas escaramuças ocorreram por uma década. A paz definitiva só aconteceu em 2001. O cálculo é de que 140 mil pessoas tenham morrido naquele conflito, no coração do território europeu. Outros 4 milhões se deslocaram de casa ou de país.
O padrão da guerra em território ucraniano agora começa a se assemelhar em tudo ao da antiga Iugoslávia: áreas de população com ascendência russa declarando independência, ucranianos tentando retomar controle dessas áreas pelo governo (a ferro e fogo), tropas da Rússia promovendo cercos, cidades arrasadas por bombardeios. Faltavam execuções sistemáticas por vingança. Não faltam mais. Urge um acordo de paz, antes que o mundo tenha de contabilizar mortos às centenas de milhares, como ocorreu nos Balcãs.