Como era de se esperar, as redes sociais estão prenhes de teorias conspiratórias sobre a decisão do juiz Sergio Moro de absolver Cláudia Cruz, mulher do deputado federal cassado (hoje preso e condenado) Eduardo Cunha (PMDB-RJ). A mais inocente das hipóteses é a de que o magistrado fez um agrado ao prisioneiro, para que ele adote a delação premiada contra seus cúmplices de extorsões na política.
Cunha, como se sabe, é uma caixa de segredos obscuros da política carioca e nacional. É sensato pensar que ele possa fazer uma delação bombástica. Contra essa possibilidade existe a vontade do Ministério Público Federal (MPF) e da Polícia Federal de manter o ex-deputado na cadeia. Ele é visto pelos investigadores da Lava-Jato como um dos maiores beneficiados pela corrupção, homem que farejava oportunidades de extorsão em todo e qualquer negócio da Petrobras e subsidiárias. Tanto que está em cinco investigações e deve ser alvo de mais três. Qual o sentido de soltá-lo e sofrer uma avalanche de críticas da população, a mesma que endeusa a Lava-Jato?
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O suposto agrado de Moro a Cunha, pró-delação, teria, também, de passar pela boa vontade dos procuradores – isso não aconteceu, pelo menos não na letra fria da lei. Perante a Justiça, os procuradores pediram a condenação de Cláudia Cruz por três lavagens de dinheiro. Não levaram, mas prometem recorrer.
Uma hipótese mais remota – levantada sobretudo pelos que detestam Moro – é de que o magistrado simplesmente quis beneficiar o casal Cunha por afinidade ideológica antipetista (é o que dizem esses críticos). Faz pouco sentido, até porque Moro já condenou o ex-deputado a 15 anos de reclusão. Que tipo de simpatia é essa, em que um sentencia o outro à cadeia?
Zero Hora foi informada de que Cunha nunca avançou em qualquer proposta de delação. Fez balões de ensaio, mandou recados ameaçadores a ex-aliados, mas não elaborou qualquer minuta de acordo. E uma eventual delação passaria mais pelo Supremo Tribunal Federal (STF) do que por Moro, já que a especialidade de Cunha é alvejar políticos com foro privilegiado.
Em não existindo a delação, o mais provável é que tenha ocorrido uma rara divergência entre Moro e os procuradores da República. Tanto que eles vão recorrer contra a decisão do magistrado.
Revendo a lista de julgamentos, o magistrado paranaense contrariou poucas denúncias da Lava-Jato. Recordamos duas ocasiões: Moro absolveu Adarico Negromonte da acusação de carregar malas com dinheiro de propina (o MPF tinha pedido condenação). O réu, irmão do ex-ministro das Cidades Mário Negromonte (PP-BA), foi condenado posteriormente por desembargadores, em segunda instância, por organização criminosa. Outra divergência foi quanto à Camila, filha do ex-ministro José Dirceu (PT-SP). Moro rejeitou denúncia contra ela, inocentando-a na prática. O MPF recorreu e desembargadores mandaram que ela seja julgada.
Quem acompanha a Lava-Jato sabe que Moro costuma atender a quase todos os pedidos do MPF. Na maioria das vezes, é questão de poucos dias para um denunciado pelos procuradores virar réu. Há real similaridade entre as denúncias do MPF e as sentenças de Moro, tanto que para muitos ele parece mais um juiz de instrução (daqueles que acompanham processos, como os que existem na Colômbia) do que um julgador. Até por isso, alguns saúdam que tenham divergido. Evidenciaria independência, muitas vezes questionada pelos apaixonados da política.