Meus amigos cartesianos estão atordoados com o bombardeio da base aérea do ditador Bashar al-Assad, ordenado pelo presidente norte-americano Donald Trump. Como assim? Duas caricaturas de vilões resolveram se enfrentar? Trump falando em nome das criancinhas indefesas?
Sim, amigos. Sinto decepcionar suas crendices infantis, mas o mundo não é preto e branco. Não é formado por caras bons e caras maus. Bem e mal são inerentes às pessoas, muito mais ainda aos políticos. A política é travada numa zona cinza, onde o amigo de ontem é o adversário de hoje – e vice-versa. Isso vale para esquerdistas, direitistas, muçulmanos radicais ou cristãos nem tão fervorosos assim.
Ainda em relação à Síria: meus amigos não entendem como os terroristas sunitas do Estado Islâmico estão sendo derrotados, em batalhas, pelo xiita Hezbollah – outra organização apontada no Ocidente como terrorista. Ué, mas o terror não atua unido? Não, caro amigo cartesiano. O seu raciocínio é ideológico, mas as ideologias são superadas, hoje, ontem e sempre, pela prática cotidiana da política. Extremistas sunitas e xiitas travam em território sírio uma guerra por procuração, armados por potências regionais, para ver quem terá mais influência geopolítica na área. Um acusa o outro de terrorismo. Talvez ambos tenham razão, talvez nenhum. Complexo assim.
Da Síria para Porto Alegre: meus amigos idealistas acham que Os Manos e os Bala na Cara, facções que gerenciam tráfico e roubos na capital gaúcha, se aniquilarão até o fim dos tempos. Mas Os Manos cavaram um túnel que iria propiciar fuga em massa do Presídio Central – e convidaram os Bala a fugir, desde que mediante pagamento ($). Pragmatismo acima das diferenças...
Finalmente, a Lava-Jato. Meus amigos direitistas achavam que tirar Dilma era a saída. Pediram Temer e agora tapam o nariz para o novo governo com velhas práticas e alianças. Os ultradireitistas enxergam em Bolsonaro uma espécie de bombril, para limpeza geral da nação, mesmo que em vídeos do passado ele apareça cogitando matar 30 mil nesse processo de "terminar o que o regime militar não concluiu"...
Meus amigos simpatizantes do PT apostavam que o poderoso presidente da Câmara Federal Eduardo Cunha (PMDB) jamais seria preso. Afinal, o Judiciário estaria agradecido por ele ter comandado os deputados na aprovação do impeachment da presidente Dilma Rousseff (PT). Sergio Moro, para esses amigos cartesianos, seria grato a Cunha pela derrota dos petistas. Agora alguns desses meus conhecidos estão atônitos: Moro prendeu Cunha em seis dias e o condenou em cinco meses. Ué, mas não estavam do mesmo lado?
Talvez não, amigo binário. O mundo não é ébano ou marfim, é pleno de nuances. Um charuto pode ser um símbolo fálico... ou apenas um charuto, já dizia Freud. Sofre menos e faz sofrer menos quem entende isso.