A natureza da situação verificada em propriedades de Uruguaiana, onde 82 pessoas foram resgatadas pelo Ministério Público do Trabalho (MPT-RS), é uma questão secundária. Descumprimento de leis ou condições análogas à escravidão têm, é claro, gravidades diferentes, mas são realidades que não deveriam mais estar presentes no cotidiano de qualquer ambiente, no campo ou na cidade. E é por todos os que seguem a regulamentação e as boas práticas que o caso impõe aprendizados.
A Associação Brasileira da Indústria de Arroz (Abiarroz) pontua que o episódio reforça a importância da rastreabilidade do setor. Diretora-executiva da entidade, Andressa Silva explica que a lei do autocontrole, de 2022, é o primeiro passo nessa direção. O processo, de médio e longo prazo, já foi iniciado pela indústria. A dirigente acrescenta que, a partir do episódio, as empresas foram orientadas a requerer declaração de seus fornecedores de que não fazem uso de mão de obra proveniente de trabalho análogo ao escravo ou infantil.
Infelizmente, os maus exemplos, em qualquer atividade, acabam marcando mais do que os bons. Mas quem está dentro das regras e das boas práticas tem nelas um ativo importante (e a consciência tranquila) para enfrentar as turbulências. Importante acrescentar que não se pode e não se deve generalizar. Incontáveis bons exemplos no arroz e em qualquer outra cultura são trazidos pela coluna. A cobrança pela apuração dos fatos é o melhor caminho para separar o joio do trigo.
O debate sobre a distinção de descumprimento de lei e o que é condição análoga à escravidão apareceu em nota técnica da Federarroz-RS. Sobre o tema, o diretor jurídico da entidade, Anderson Belloli, afirmou:
— Reforço que não compactuamos com qualquer descumprimento de legislação. O pedido é por cautela, para que não haja injustiça.
Procurador-chefe do MPT-RS, Rafael Foresti Pego pondera que, quando se fala em trabalho em condições análogas à de escravo, esse conceito não está limitado "apenas ao cerceamento de liberdade, mas existem outras hipóteses que também caracterizam essa situação, não por violar a liberdade, mas por violar a dignidade do trabalhador, um dos direitos dos mais essenciais e básicos de qualquer pessoa".