Ainda está confusa a aplicação do limite de 100% de aumento de uma dívida que cai no rotativo do cartão de crédito. Algumas lacunas na proposta, como a falta de prazo definido para o juro, têm prejudicado o efeito perseguido pelo Banco Central, que é reduzir a "bola de neve" da dívida mais cara do mercado. Confira a entrevista ao programa Acerto de Contas, da Rádio Gaúcha, com Renato Meirelles, presidente do Instituto Locomotiva, que faz pesquisas com foco em comportamento de consumo.
Não perde o sentido a limitação do juro em 100% sem estabelecer um período para isso? Pode ser em um mês.
Sim. Não tem sentido se não for estabelecido por um ano. Essa brecha provavelmente será judicializada.
Acredita que o parcelamento sem juro será restrito pelos bancos, que dizem que é a taxa do rotativo que banca este crédito?
Não acredito, porque não é uma decisão exclusiva dos bancos. Ela envolve também o varejo e as operadoras de cartão de crédito. Não existe chance de limitar parcelamento sem impactar consumo.
O parcelamento é vilão?
O parcelamento sem juro é importante para a população brasileira. No país, 90,8 milhões de consumidores usam o cartão de crédito para isso. Não é pouca coisa. Mas o argumento de que é a causa do endividamento não para em pé. Os mais inadimplentes são aqueles que parcelam com juro.
Qual outra medida poderia evitar juros tão altos ao consumidor?
A portabilidade. Dono do seu dinheiro e da sua dívida, o consumidor não fica preso a uma instituição. Leva para quem oferecer melhores condições para pagar. É um leilão reverso. Isso tem impacto importante nas taxas.
Como fazer as pessoas usarem o crédito com maior consciência? Acabam aderindo a formas caras porque são mais fáceis de tomar dinheiro emprestado, como o rotativo do cartão e o limite do cheque especial.
As pessoas que usam como extensão do próprio salário têm o salário curto. Nas classes A e B, usam cartão para ganhar pontos de milhagem. Quando o vendedor pergunta em quantas parcelas, este consumidor questiona em quantas vezes dá porque está com o dinheiro aplicado. Ele poderia pagar à vista. Já o consumidor das classes C e D joga com a data da melhor compra do cartão por uma razão simples: o salário acabou e o mês não. Não é porque é perdulário e gastou no que não precisava. Uma pesquisa nossa mostra que só 23% teriam dinheiro para pagar uma dívida urgente de R$ 500 e que apenas 34% usariam o cartão de crédito parcelado para pagá-la. E emergências acontecem a toda hora.
Como vê o Desenrola, programa do governo federal para renegociar dívidas e reduzir inadimplência?
Nós fizemos uma pesquisa só sobre ele e percebemos que é muito bem visto pelo brasileiro, mas os seus meandros são complicados para chegar à população. A maioria não sabe ou não é elegível ao Desenrola. O problema é que a plataforma é toda digital e a internet é menos acessível à população de menor renda, que mais precisa do programa. É o desafio do governo.
Uma rede aqui do Sul, a Lebes, colocou a equipe das lojas para ajudar os clientes e conseguiu recuperar muito crédito que considerava perdido na inadimplência.
É maravilhoso esse exemplo, coloca varejistas como parceiros. É a diferença deles com bancos, que quer se livrar do inadimplente. O varejo quer recuperá-lo para que continue comprando.
Qual a perspectiva de consumo para 2024?
Os consumidores estão mais otimistas. A redução da taxa de juros melhora o crédito e a inadimplência cai no médio prazo. Temos queda no desemprego. A cesta básica caiu e quanto menor estiver, mais dinheiro sobra para o comércio. Por fim, temos aumento real do salário mínimo e dos programas sociais. O consumidor da classe C recebe esse dinheiro e vai gastar no pequeno varejista do bairro. Aumenta o consumo de baixo para cima.
Assista a entrevista completa:
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Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Vitor Netto (vitor.netto@rdgaucha.com.br e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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