Falta menos de um mês para o primeiro turno das eleições presidenciais na Argentina e o candidato de extrema direita, Javier Milei, é o favorito das pesquisas. Entre vários posicionamentos polêmicos em diversas áreas, na economia, o candidato defende o fim do Banco Central argentino. Atual ministro da Economia, Sergio Massa até subiu nas pesquisas, mas ainda fica em segundo. O país está em forte crise, o que ajuda a explicar o que se vê na campanha eleitoral. O assunto foi tema de entrevista do Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha, com o presidente da Câmara de Comércio Argentino Brasileira em São Paulo, Federico Servideo. Confira trechos abaixo e ouça a íntegra no final da coluna.
Dolarizar a economia argentina e acabar com o Banco Central do país impactaria a relação comercial com o Brasil?
Muitas das propostas dos candidatos são de campanha. A dolarização se apresenta como uma solução simplista e política para resolver um problema estrutural e econômico, que é inflação provocada pelo gasto público. Será de difícil implementação pela regulação que existe lá. Temos que ser muito cuidadosos para entender o que o candidato Milei entende por dolarização e como seria implementada. O que eu vejo no curtíssimo prazo é uma convivência entre as duas moedas (peso e dólar) na Argentina, o que tenderia a trazer um pouco mais de tranquilidade a mercados e consumidores. A relação bilateral entre Argentina e Brasil poderia continuar se desenvolvendo. Ela está afetada pelos desequilíbrio econômicos da Argentina, que não se resolvem com a dolarização, que é um mote de campanha.
É possível privatizar serviços públicos?
Muito difícil de implementar. A Argentina passa por uma crise social, econômica, política, cultural muito severa. Tem 45% da população abaixo da linha da pobreza. Falar em privatizar a educação e a saúde é inviável, porque requer 30, 40 ou 50 anos de estabilidade e crescimento econômico para acontecer. As falas de Milei representam um sentimento de frustração da população argentina perante o que está acontecendo e o que os políticos têm feito nos últimos 10, 15, 20, 50 anos. Como se diz em espanhol, essa "bronca" da população na Argentina.
Como está o desequilíbrio das relações comerciais?
Está muito atrelado às restrições que existem hoje na Argentina para importar de outros países, quando as licenças ou a autorização para importar é são extremamente complexas e burocráticas. Provoca redução de exportação de produtos industrializados do Brasil para lá e de venda de serviços da Argentina para cá. A restrição é estabelecida para conter os poucos dólares que existem na Argentina.
Turistas que vão a Buenos Aires dizem que a capital argentina não aparenta estar em crise. Por quê?
Buenos Aires é uma ilha, uma bolha, assim como outras capitais e províncias, como Mendoza e Córdoba. É uma cidade relativamente rica, mais fácil de administrar do que as demais, planificada, planejada. Mas é só andar 10 quilômetros do centro da cidade que começamos a ver desigualdade, pobreza, miséria, que nós, argentinos, não estamos acostumados a ver. Se você ver pesquisas recentes, 65% da população da Argentina tem medo, se sente abandonada. Isso, em Buenos Aires, não se vê. Isso explica a quantidade de votos de Milei (nas primárias). Ele representa esse abandono, medo, frustração de parte dos argentinos.
Ouça a entrevista na íntegra:
Coluna Giane Guerra (giane.guerra@rdgaucha.com.br)
Com Vitor Netto (vitor.netto@rdgaucha.com.br e Guilherme Gonçalves (guilherme.goncalves@zerohora.com.br)
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