O Carnaval é desafogo. Esquecemos o que somos levados a suportar e, cantando, o vomitamos por ser indigesto. A alegria dissimula tudo e já não somos aquilo que sofremos por não ser o que quiséramos ser.
Assim, só após o Carnaval percebemos o que o Carnaval é. Nada foi festança e a dança foi inconsciente protesto do qual só ficam restos. Da velha marchinha da “jardineira que caiu do galho, deu dois suspiros e depois morreu” até as “escolas de samba” atuais, tudo é lamento que não se vê no momento.
Com a beleza de sempre, as “escolas” do Rio (que dão a pauta do Carnaval) criticaram os desmandos e a corrupção dos governantes e do poder financeiro. A Paraíso do Tuiuti retratou séculos de escravidão e veio aos dias atuais: a Carteira de Trabalho virou mera fantasia e o presidente Temer “um vampiro” no cotidiano de violência e exploração infantil.
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A campeã, Beija-Flor, foi ainda mais dura. Os ratos e serpentes da alegoria golpearam a corrupção, num protesto que fez ecoar o samba-enredo: “… ó pátria amada, por onde andarás? Teus filhos já não aguentam mais”.
A beleza do ritmo, passos e cores deu à denúncia uma emoção inigualável. A multidão desceu da arquibancada e desfilou cantando o refrão: “… teus filhos não aguentam mais…”.
Há, porém, o outro lado: a Beija-Flor nasceu e é mantida pelo “jogo do bicho” e seus tentáculos.
O eterno presidente da “escola” foi um dos “bicheiros” processados e encarcerados, anos atrás, por associação com o narcotráfico e os crimes da droga. Vingaram-se da juíza Denise Frossard (que os condenou) tentando um crime atroz: enviaram-lhe documentos infectados com urina de rato para que contraísse leptospirose.
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No intervalo carnavalesco, assisti no cinema a O Jovem Karl Marx e, de novo, comprovei que o passado ensina tudo aquilo que o presente nos faz esquecer. Produção alemã, belga e francesa, o filme retrata o horror da revolução industrial do século 19 e mostra como Marx derruba empedernidos conceitos que hoje soam como absurdo a todos, de empresários a operários.
Mostra como a amizade do milionário Friedrich Engels foi fundamental e como, já então, os revolucionários (ou a esquerda) perdiam-se em preciosismos e se dividiam em função de definições exatas.
O início do filme é portentoso. E, no final, desfilam os atores reais de Marx do século 20 (como Guevara, Kruschev e Mandela), sem que apareçam Lênin ou Stálin. Assim, o diretor Raoul Peck foi fiel ao jovem Marx.