* Jornalista e escritor
A casualidade leva, às vezes, a descobrimentos inesperados. O exemplo clássico é a penicilina, surgida de um casual equívoco que mudou o mundo e prolongou a vida.
Não cheguei a tanto! Mas na manhã da última terça-feira presenciei casualmente a invasão do prédio do Hotel Açores, na rua da Praia (desativado desde fins de 2015), por parte do "Movimento de Luta dos Bairros e Favelas", MLB, que ali alojou as mesmas famílias retiradas dias antes pela Brigada (num deprimente espetáculo de brutalidade) de um edifício público.
Agora, bastaria a presença de um pelotão da Brigada Militar sem gases ou pistola, para evitar a lenta invasão dos oito andares do hotel, uma edificação moderna em que me hospedei várias vezes, quando – morando no estrangeiro – vinha ao Alegre Porto. O quartel-general da Brigada fica a 200 metros na mesma rua, tem moderníssimo sistema de comunicação, mas nada foi acionado.
A mentalidade dominante na "segurança" prefere a violência da força bruta após o fato consumado. (E sempre contra os mais fracos, poupando os grandes do narcotráfico). Com isto há pretexto para pôr em prática a metodologia da boçalidade, atiçando a violência do lado oposto.
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Assim, caminhamos para uma guerra civil disfarçada de reivindicação popular versus repressão, sem que o poder público enfrente a ignorância que gera a marginalidade e se transforma em crime.
Naquela manhã, quase à mesma hora, o governador Sartori anunciou os novos planos para a segurança pública, em ato festivo no Palácio – contratar 4.200 novos brigadianos e policiais civis. Só isto, nada mais, como se a violência de rua e o crime fossem causadas pelo exíguo número de policiais!
É preciso aumentar a vigilância e o policiamento, mas isto só ameniza o crime, sem resolvê-lo na profundeza das entranhas. É como aumentar a dose do analgésico sem tratar o câncer ou a doença em si.
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Enquanto a TV propagar a bandalheira, a banalidade, a pornografia e a tolice como se isto educasse o grande público, enquanto a música for mero batuque violento com letras idiotas ou imorais, enquanto as crianças brincarem no "mata-mata" dos vídeo-jogos, – enfim – enquanto as formas de estupidez não forem eliminadas pela raiz e substituídas pela solidariedade, estaremos caminhando para o horror.
E horror moderno, em que os pais dão um tablet aos nenês enquanto comem (em casa ou em restaurante) e, assim, têm mais tempo para as fofocas e mentiras das "redes sociais", sem conversarem entre si. Mais afrontoso ainda, é que aceitamos tudo isto de olhos abertos, vendo o horror avançar.
Na balbúrdia da sociedade de consumo, tudo vira disputa e perdemos a noção do próximo, do outro. A teologia do amor e solidariedade (fundamento das religiões ao longo dos séculos) desapareceu das chamadas "novas igrejas", hoje milionárias tendas de falsos milagres. Em verdade, casos de polícia, não de fé.
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Para emoldurar a sucessão de disparates, Sartori quer "terceirizar" a inspeção e fiscalização dos alimentos de origem animal. Quer entregar aos próprios produtores a tarefa de atestar "a boa qualidade" da carne e derivados que produziram e nos oferecem. O projeto está na Assembleia como tema "urgente".
Por acaso, o governador não sabe o que houve com o leite, adulterado (ou envenenado) no processamento para venda ao público? Ou que nos venderam água choca de poço como água-mineral? Nem que grandes frigoríficos venderam, país afora, carnes em más condições, infectadas de vermes e doenças?
Onde está o Sartori ponderado, que ouvi na reunião-almoço da Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas, ADCE, tempos atrás?
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Se aqui é assim, não nos surpreenda que, em Brasília, Temer mande diminuir a equipe da Polícia Federal que, com os procuradores, desvenda o horror da Lava-Jato. Nem que a política, com o presidente da República à cabeça, se transforme no covil de Ali-Babá e os 40 ladrões, rumo a uma ampla e dura guerra civil!
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