* Jornalista e escritor
O tempo e a mudança de temperatura correm rápido. Maio é o mês de Maria e, por extensão, o das mães, em que a maternidade se exalta acima de tudo como síntese do que fomos e do que seremos. Maio é também tempo de cobras: na pós-quaresma, saem a acasalar-se e, ardentemente enlouquecidas, são capazes de qualquer coisa em busca do objeto de desejo.
Que cada um de nós se cuide das cobras e serpentes. Até quem more no cimento das cidades, onde em teoria não há cobra! Vivemos preocupados com os ratos, sem entender que – mesmo não coabitando com cobra – ambos se complementam. Um é a extensão do outro e amam os escuros antros.
A coletânea de ratos de todos os tipos, tamanhos, sotaques e cor de pele que o Iotti vem mostrando aqui ao lado, dia a dia, pode prolongar-se até quase o infinito. Matéria prima não falta!
E ele talvez flagre as víboras enroscando-se na ratazana, num amigável noivado já perene.
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O mais arguto e cáustico analista político deste jornal vem reconstituindo, no traço do desenho, toda a realidade surgida do triunfo dos ratos na vida política e na sociedade brasileira.
Vivemos uma época tão despudorada (com os corruptores mostrando detalhes de como corrompem, e os corrompidos fingindo que nem é com eles), que substantivos e adjetivos, ou verbos e pronomes, não conseguem expressar a verdade existente.
A realidade passou a ser uma caricatura do horror de si própria.
Assim, a caricatura como tal, como desenho à mão e em cores, exprime e revela muito mais do que a palavra escrita é capaz de narrar. Antes, isto nos vinha pelo traço de Marco Aurélio, agora por Iotti, Fraga e outros neste jornal. Conserva-se e se expande a antiga tradição da nossa imprensa, com nomes como Edgar Vasques, Santiago e muitos mais, fiéis à independência crítica dos irmãos Sampaio, que já não estão entre nós.
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A sátira e a ironia são irrebatíveis e, por isto, o traço da caricatura é incontestável.
Aquela gentalha que usa a política para negociatas, ou que faz dos negócios uma cloaca da política, pode até alegar (ou inventar) que o que disseram "não foi fielmente transcrito". Ou que a confissão (ou "delação") transmitida pela TV, "foi retirada de contexto" e, assim, a falcatrua deve ser vista no diminutivo, coisinha ínfima, fora do tempo presente, como roupa de criança vestida em adulto…
A mentira repetida mil vezes – ensinava o repulsivo Josef Goebbels – "vira verdade
absoluta". Mas o traço simples da caricatura desnuda o crime fantasiado de virtude.
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Nestes três anos do escândalo da Petrobras e dos demais roubos que dele emergiram, há coisas essenciais que nunca ocorreram:
1. Nenhum dirigente ou parlamentar dos partidos envolvidos, jamais exigiu explicação aos companheiros apontados nos crimes. No PT, os corretos, como Olívio Dutra e Tarso Genro, limitaram-se a lamentar a fraude, mas com cuidado e levemente, sem enfrentar o monstro.
Nos outros covis de assaltantes (PMDB, PP, PSDB, DEM) ou nos menos aquinhoados (PTB, PDT, PR e demais), não houve críticas nem interpelação simulando discordar.
2. Nenhum político envolvido na corrupção apresentou qualquer situação concreta que invalide ou negue as propinas. A gigantesca fraude é descrita com tantas minúcias que não condiz com algo inventado pelos empresários-delatores. Cinco ex-presidentes da República, além do atual, citados como beneficiados junto a governadores e "ex", ministros, parlamentares e avulsos, limitam-se a um uníssono "não fui eu" de castas donzelas.
Frente a tudo, o traço da caricatura supera os comentários: pode retratar víboras e ratos chafurdando no lodo ou enroscando-se e picando para matar.
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P.S. – A Viação Aérea Rio-grandense, Varig, faria 90 anos neste 7 de maio. Foi modelo no mundo inteiro e nos ligou às Américas, Europa e Ásia. Os funcionários eram os donos e – pregava Ruben Berta – devia ser "um serviço à comunidade", não fonte de cobiça. Definhou e sucumbiu ao perder essa visão.
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