* Jornalista e escritor
O culto ao ócio nos faz esquecer o significado profundo dos feriadões. Quem, na semana passada, recordou o sacrifício de Cristo e entendeu o grande crime como fruto da cobiça? Quem, no 21 de abril, recordou o sacrifício de Tiradentes como o primeiro crime político da História do Brasil?
O passar dos séculos mudou tudo, porém. Há 2 mil anos, a delação fez a guarda romana prender, torturar e crucificar Cristo. Em 1789, a delação fez Tiradentes ser enforcado e esquartejado.
Os inconfidentes ressurgem no Brasil, mas por outras vias e opostas consequências. Agora, a inconfidência mostra o crime profundo, revela a prostituição da política e a putrefação de parte do grande empresariado, abrindo caminho para entender nossas penúrias como nação.
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A partir das inconfidências da Lava-Jato localizamos a engrenagem da máquina de mentiras que nos tritura. Mas os delatores não são heróis, são criminosos também – muitos já condenados, outros a caminho, junto aos corrompidos.
No desfile de horror das confissões que a TV nos mostra cada dia, tudo assusta. Por um lado, a naturalidade com que os políticos exigiam e eram atendidos em subornos milionários, às vezes dólares em contas secretas no Exterior. Por outro, assusta o prazer com que ambos cometiam o crime, como se aquilo fosse êxtase orgástico junto ao objeto amado.
– Já estava virando prazer comprar alguém –, explicou Hilberto Mascarenhas, um dos diretores da Odebrecht, em "delação premiada" que mostra como a corrupção tornou-se uma patologia a ser analisada por um novo Freud do século 21. Esse "prazer" em corromper (e, obviamente, em ser corrompido), em que difere da morbidez sadomasoquista do sexo?
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As diferentes delações são unânimes: os grandes chefões da política exigiam sempre mais e – explicam os empresários – eram atendidos "por medo". Assim, só a Odebrecht distribuiu US$ 3,3 bilhões – dólares, não reais – e as demais superaram US$ 600 milhões.
Subornar era investir. Ou ainda o é, agora com mais cuidado e sofisticação. Por que pensar que corruptores e corrompidos tenham milagrosamente se convertido à honestidade?
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Cada delator abre novas portas e incrimina novos políticos de todos os grandes partidos – PMDB, PT, PSDB, PP, DEM – e até dos menores PTB, PDT, PR e outros, como o Solidariedade, em que Paulinho da Força Sindical achacava em nome dos "trabalhadores" para evitar reivindicações ou greves.
Dias atrás, a TV mostrou uma revelação espantosa de Leo Pinheiro, presidente da OAS, sobre uma das joias da Olimpíada de 2016: o então deputado Eduardo Cunha, do PMDB, recebeu R$ 52 milhões de propina do consórcio construtor do Porto Maravilha, no Rio, pagos em 36 meses. E narrou, também, o encontro em que (ao início da Lava-Jato) Lula da Silva lhe sugeriu "eliminar todo tipo de provas".
Nessa orgia de subornos, como as grandes empreiteiras ainda obtinham lucros imensos?
A resposta: o BNDES e o Banco do Brasil financiavam as obras e o "plus" saía das "adições aos contratos". O do nosso trensurb (em que Eliseu Padilha, do PMDB, e Marco Maia, do PT, teriam dividido os 2,5% da propina) o preço orçado de R$ 320 milhões quase triplicou!
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Mas o Rio Grande não desponta só por esta via na Lava-Jato e similares.
Os ex-governadores, Germano Rigotto, do PMDB, e Yeda Crusius, do PSDB, figuram como suspeitos. Se confirmada, a acusação a Yeda (dar benefícios fiscais à Brasken, subsidiária da Odebrecht) seria ponto de partida de trama mais vasta. O ministro Eliseu Padilha, do PMDB e homem forte do presidente Temer, surge em cinco processos. Há penduricalhos menores, caixa 2 para seis deputados do PP, um do PT e PC do B. E para Onyx Lorenzoni, do DEM, relator na Câmara Federal do projeto de lei anticorrupção…
Enquanto isto, no Senado, Roberto Requião e Renan Calheiros, do PMDB, comandam a ofensiva para apelidar de "abuso de autoridade" toda ação de promotores e juízes contra a corrupção. Querem transformar os novos inconfidentes em heróis de capa e espada de matéria plástica…
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