A ideia (ou tentativa) de nos desfazermos do Banrisul e passá-lo a mãos estranhas, me leva a indagar: por que extraviamos nosso orgulho?
Não me refiro ao maldoso orgulho de "ser superior" e desprezar o próximo, mas ao de criar coisas e amá-las como nossas, sem que estranhos se apossem delas como ladrão noturno. O orgulho de "ser gaúcho" não é churrasquear de bombacha ou "vestida de prenda", ou ser exímio na "dança do pezinho". Nem gritar "alles blau" para festejar ou vociferar "porco dio" como queixume.
Falo do orgulho pelo esforço com que nossos pais e avós construíram o Rio Grande. Ou, face ao que fomos ontem, já não importa o que somos hoje?
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Antes, nos orgulhávamos por serem daqui a Varig, a Livraria do Globo, os fogões da Wallig e da Geral, a Springer, as geladeiras da Steigleder, os elevadores Sûr, a JH Santos, as roupas, sapatos e tudo mais das indústrias Renner que se espalhavam pelo país, a cutelaria da Zivi e da Eberle, em meio a centenas de empreendedores desaparecidos. Até os cigarros eram daqui, da Cia. Santa Cruz ou da Sinimbu.
Quase tudo cresceu com apoio de nossos bancos. E havia muitos, não só o Banrisul.
Não falo do falido Pelotense, que não conheci, mas do pujante Banco da Província (que deu um ministro da Fazenda, quando isto era fundamental), do Pfeiffer (que na II Guerra virou Banco Industrial e Comercial do Sul), do Nacional do Comércio, cuja sede majestosa hoje abriga, na Capital, o centro cultural de um banco estrangeiro. Ou do Agrícola Mercantil, nascido em Santa Cruz como uma das Volkskassen, "caixas populares", que a visão do jesuíta Theodor Amstad espalhou entre os agricultores no final do século 19 e que os luteranos ampliaram com as Volksverein, cooperativas de crédito.
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Exceto o Banrisul, nossos bancos extraviaram as raízes, deixaram de ser nossos. O Agrícola Mercantil passou ao Unibanco, hoje Itaú. Os demais, fundiram-se no Sul Brasileiro e, na debacle do final da ditadura direitista, viraram Meridional, abocanhado pelo espanhol Santander.
Quase ocultas, mas ativas no desenvolvimento das pequenas comunidades, as "caixas populares" resistiram e, hoje, formam o Sicredi. A de Lajeado, onde nasci, tem 110 anos. Mas, das 36 iniciais, há apenas sete.
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Já escrevi aqui que os bancos comandam nossas vidas. Com exceção do amor, fazemos tudo a partir deles. Mas seu poder reside no dinheiro dos depositantes. Os únicos ricos com dinheiro alheio são os banqueiros, naquele tomar de um e emprestar a outro.
Essa lucrativa intermediação, porém, move a atividade econômica no capitalismo. Os bancos determinam se "há ou não dinheiro" para empreendimentos públicos ou privados e a roda viva gera lucros exorbitantes com base em juros sem limites. Na crise atual no mundo, só os bancos cada vez estão mais prósperos. Aqui, têm amparo estatal e podem até "quebrar" (já houve casos) sem perder um centavo.
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Por isto, é difícil entender que exista quem pense na insensatez de desfazer-se do Banrisul para que o governador "pague em dia" o funcionalismo! Será o jeito de evitar que juízes e procuradores durmam na rua por não receberem o auxílio-moradia?
O banco tem socorrido o poder público, não o contrário.
"Passá-lo adiante" coroa a soma de absurdos perpetrados nos últimos meses no Estado, desde as restrições à educação pública até a extinção de órgãos de pesquisa e desenvolvimento. Com as chuvas atuais, temo que o governador (após extinguir a Superintendência de Portos e Hidrovias) queira secar os rios para evitar enchentes.
Em vez de vender o banco, cabe o contrário - aprimorar seu funcionamento e a qualidade dos funcionários, que se dizem "sem estímulos". Falo por experiência própria: há seis meses estou sem cartão da minha conta no Banrisul, que movimento usando senha e cartão do familiar meu acompanhante, pois ninguém resolve os sucessivos "extravios" internos...
Ou o Banrisul se move além do que é, ou esperaremos o futuro imóveis, sentados num banco.
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