O calendário nos enganou. Ao contrário do que pensávamos, 2017 começa só agora, a partir da morte de Teori Zavascki. Acidente ou atentado, a queda no mar do avião em que ele viajava a Paraty é tão marcante que altera rumos e situações no futuro do país. E altera para pior, para rebaixar aquilo que ele se empenhou em elevar.
Sim, pois não se trata só da perda do jurista minucioso, juiz exemplar e independente. Perde-se todo o itinerário da etapa final (e fundamental) do mais importante processo criminal da nossa História. O ministro-relator sai da cena no momento exato em que examinava as delações-premiadas dos diretores das empresas que corromperam centenas de políticos, entre eles figuras da cúpula mais alta do poder.
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Os documentos não se afogaram com ele no mar de Paraty e estão sob a guarda dos assessores do ministro morto. Perde-se, porém, a visão de conjunto que ele formou pouco a pouco, essencial para localizar o nascedouro e as ramificações do conluio corrupto de empresários e políticos.
Extravia-se a essência do raciocínio que leva ao núcleo do crime e que ele conhecia tal qual se sobe uma escada, degrau por degrau.
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Meus anos em Búzios, no litoral fluminense, me levam a crer num acidente, não num atentado. Paraty fica mais ao sul (quase na costa paulista) e é também zona seca, mas atormentada em janeiro por tempestades que destroem tudo em terra, ar e mar. Na primavera, de novo vento e chuva açoitam a região. Aí, em outubro de 1992, desapareceu no mar o helicóptero em que os casais Ulysses Guimarães e Severo Gomes viajavam de Angra dos Reis a São Paulo, a poucas milhas da tragédia atual.
A máfia corruptora reúne todos os crimes e pode, até, armar uma bomba a explodir por altímetro quando o avião tente pousar. Quem se sofisticou no roubar, pode também matar.
Mas a Lava-Jato desmontou o poder da aliança de grandes empresas e políticos e é difícil que, nos estertores, ampliem o horror. Assim, tudo conduz a um acidente, até porque o avião não explodiu.
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Mas, num momento em que a palavra nada vale, a desconfiança e o engano predominam e, talvez, se duvide da conclusão da futura investigação sobre a queda.
Por mais que se venha a saber (ou a comprovar) que foi acidente, poucos acreditarão. Lembram-se da morte de Tancredo Neves? Ou de João Goulart? Até hoje se tecem "segredos" sobre os "assassinatos".
Em teoria, pelo menos, Zavascki era alvo concreto a ser eliminado pelo crime organizado – em março, ele pensava concluir a denúncia da área política, em que há uma centena de envolvidos.
Esse "italianinho" cujos pais saíram de Encantado em 1942 e aqui no RS eram Zavaschi (e não Zavascki, como ele foi registrado em Faxinal, SC), era tão minucioso quanto seu irmão Olyr, jornalista de escol que nos deixou anos atrás.
Com minúcias, construía suas decisões. Encontrou a morte num dos raros momentos dedicados ao lazer.
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O final de janeiro é, também, o limiar do que pode nascer da exuberante ignorância a que Donald Trump tentará arrastar o mundo.
Só em 1933, quando uma eleição levou Hitler ao poder na Alemanha, a estupidez da direita mostrou-se tão à solta como agora nos Estados Unidos com Trump. Até nos desastrosos anos da direita de Bush e da crise de 2008, havia nesgas de pudor e respeito pelo que pensavam e agiam os outros. Persistiu a visão fundamental de liberdade. As universidades, a pesquisa científica e a imprensa continuaram intocáveis.
Hoje, a direita aberrante sobe ao poder, guiada por um fanfarrão (que enriqueceu levando suas empresas à falência), e enlouquecida por ter derrotado uma mulher e por suceder a um negro. No porre da vitória, entusiasma milhões de norte-americanos com um futuro paraíso de "ordem" e "pleno emprego" guiado a porrete. Também Hitler impôs "ordem" e "pleno emprego" na culta Alemanha de Beethoven, Mozart, Goethe, Schiller e da então mocinha Hannah Arendt.
Ou de nossa Eva Sopher, que de lá fugiu ainda adolescente e está aí para testemunhar.
Aqui, com Teori morto, e lá, com Trump no poder, a tragédia é o começo do ano que só se inicia agora.
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