Parecia pesadelo, mas acordamos com a bofetada: o odioso confesso, o racista, intolerante e atrasado Donald Trump será presidente dos Estados Unidos.
Potência econômica e militar (pátria da Coca-Cola, do McDonald's, da Disneylândia, de Hollywood, do rock, das universidades de Columbia, Harvard e do MIT, da Nasa e da sonda a Marte) os EUA nos guiam e tudo de lá nos afeta.
A vulgaridade irracional de Trump amedronta tanto que o medo pode imobilizar o raciocínio e desorientar o futuro. Nem sequer o assassinato do presidente Kennedy, em 1963, em plena "Guerra Fria", desencadeou tanto temor como agora.
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Pela segunda vez, os EUA me afligem. Em abril de 1945, eu tinha pouco mais de 10 anos quando Franklin Roosevelt morreu, mas, até hoje, sinto a dor e guardo a frase que escrevi no jornal de Lajeado: "Apagou-se a luz do mundo". A Alemanha nazista ainda não fora vencida e, assim, a morte era algo atroz e pungente: perdíamos nosso sol e guia.
Agora, 71 anos depois, não é a morte, mas a vida futura dos EUA e de um mundo escuro e sem luz que me afoga em angústia.
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Quase 50% do eleitorado se absteve, em repúdio à campanha que Trump empurrou para a baixeza do insulto. No cômputo total, Hillary teve mais votos. Mas ele se elegeu por um "colégio" que no século 19 expressava "a união" após a Guerra Civil e, hoje, já não define "a maioria". O "povão" pobre e de menor instrução confiou em suas promessas de "prosperidade", sem recordar que a crise nasceu do desgoverno de Bush, de direita como ele.
O eleitor votou "pela mudança" e, sem saber, escolheu mudar para o passado – a carroça em vez do automóvel, o ábaco em vez do computador, a Inquisição em vez do Papa Francisco. Para o desavisado povão que nele votou em massa, o tom destemperado do fanfarrão apresentador de TV e milionário dono de cassinos e hotéis falidos significa "destruir tudo" que gerou a crise de 2006 nos EUA, até a tecnologia, se preciso.
É o eclipse do modelo eleitoral: vota-se na aberração, pela libertinagem, não pela liberdade individual ou social. No Brasil, Fidelix, candidato presidencial em 2014, e, hoje, Jair Bolsonaro, são exemplos dessa explosiva ignorância.
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O palavrão demagógico substitui as ideias econômico-sociais e seduz as massas com um populismo vazio, oposto ao das reformas dos anos 1960, que buscava o futuro. O populismo de Trump busca o passado.
O "New York Times", ícone da imprensa independente, advertiu que a eleição de Trump "ameaça o modelo ocidental de democracia". Com isto, não quis dizer que o futuro presidente vai pôr abaixo direitos e garantias ou virar ditador, mas alertar para algo pior: o sistema que leva a escolher gente como Trump está falido e já não é modelo.
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O poder da Casa Branca espalha medo: ninguém ousa mexer com o diabo que lá vai se instalar. Até o diabo teve medo de si mesmo e, na madrugada da vitória, Trump apaziguou as palavras de ódio. Obama e Hillary lhe ofereceram apoio "no interesse da nação". Os grandes líderes mundiais – de François Hollande a Angela Merkel – ocultaram a decepção pedindo a união da Europa.
Aqui, só Bolsonaro se alegrou publicamente, chamou Trump de "verdadeiro patriota" e disparou: "Em 2018 serei como ele".
E a troca de afetuosos elogios entre Trump e Putin? O namoro do antigo apresentador de TV e dono de cassinos com o antigo agente da polícia secreta russa leva ao pacto entre a Alemanha de Hitler e a Rússia de Stalin, firmado em 1939, dias antes da invasão nazista à Polônia, início da II Guerra Mundial. O totalitarismo os identificava e armou-se a mútua trampa.
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Trump, porém, não se esconde em ardis tramposos. Na campanha, anunciou o primeiro crime a praticar como presidente – "retirar os EUA do Acordo do Clima". O mais importante pacto para tentar salvar o planeta (assinado em Paris por Obama e quase todos os demais chefes de governo), para ele "trava a economia".
Em alemão (língua do avô), Trump é corruptela de Trumpf, ou "trunfo", a carta que serve para tudo. Donald é o pato falastrão da infância. A mescla bizarra vai fazer (como a piada nas "redes") que o México construa, às pressas, um muro na fronteira para conter a fuga dos americanos...
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