A pobreza da política volta a me preocupar, agora num campo vasto e profundo que começa com a prisão de Eduardo Cunha e, de novo, desemboca na campanha eleitoral de Porto Alegre.
O emblemático e, até bem pouco, todo-poderoso presidente da Câmara dos Deputados é a síntese da transformação da política partidária em comércio pessoal. Nos últimos anos, Cunha foi figura proeminente do PMDB, da "bancada evangélica", do "centrão", guiando, até, os então oposicionistas PSDB e DEM, além dos nanicos. O então governista PT o adulou também.
Direta ou indiretamente, todos o ouviam. Assim, pôde comandar o processo que levou ao "impeachment" de Dilma, depois que ela se negou a tentar "amansar" o procurador-geral Janot na denúncia dos roubos de Cunha.
Só agora, com a prisão, surge a origem de tanto poder. O arco partidário está em pânico com o que ele possa revelar em eventual "delação premiada".
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Em Brasília, os comentários são unânimes: o presidente Temer, ministros, senadores e deputados estão atônitos.
Se o povo e a imprensa festejam a prisão, por que essa perplexidade? O imenso poder de Cunha vinha dos segredos que guardava?
O procurador-geral da República e o juiz Sérgio Moro calculam que o patrimônio pessoal de Cunha supera R$ 270 milhões. Mas, tal qual a desfaçatez com que ele afirmou que ganhou milhões de dólares "vendendo carne enlatada à África", o grande comerciante da política é pobre como mendigo de rua – Cunha não têm sequer um centavo em conta bancária no Brasil...
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A pobreza da campanha à Prefeitura de Porto Alegre é de outro tipo. Os dois M – Marchezan e Melo – continuam sem dizer nada concreto sobre a cidade. Na TV e rádio, repetem sons com ideias vagas, como em suas musiquinhas.
Não tendo o que dizer sobre como governar, um ataca o outro. E a campanha eleitoral perde a finalidade (deixa de ser disputa de programas e experiências) e vira torneio de sibilinos ataques mútuos, em que os dois M se digladiam em público. Com publicitários mais hábeis, Marchezan acusa, faz pose de vítima e jeito de agredido. Com publicitários menos hábeis e mais toscos, Melo faz cara de brabo e "parte para cima", como diz o povo.
Se tivessem algo objetivo a dizer, diriam. Vazios, mas cheios de generalidades, a martelada diária da propaganda leva o eleitor a fantasiar uma imagem do candidato, com o risco de que não corresponda à realidade.
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Nenhum deles toca nos problemas ou carências da Capital.
Pode-se até entender que Marchezan pouco tenha a dizer, pois não tem experiência administrativa. Sua atividade principal foi como deputado, com as frases de leis e os discursos políticos.
Mas é difícil entender ou explicar que Melo, vice-prefeito nos últimos quatro anos, nada tenha a dizer sobre como enfrentar o futuro. Mais estranho (e preocupante) é que um de seus lemas sejam os "mutirões cirúrgicos".
O que é isso? Será reunir o pessoal dos bairros e vilas e fazer com que, de bisturi na mão, um abra a barriga do outro, em cirúrgico mutirão?
A pergunta esdrúxula vale, pois mutirão é reunir gente para, solidariamente, ajudar a uma terceira pessoa em suas necessidades ou carências.
Marchezan não promete cirurgias, mas nos brinda com banais lugares comuns. Seu lema é "mudança", sem dizer o que mudar. Dias atrás, pela TV – reunido com eleitores –, resumiu suas ideias sobre educação: "...é importante que toda criança saiba ler", disse, como se descobrisse que a água é úmida.
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O rio Guaíba continua ausente, como se não existisse. Não se toca no escândalo do abastecimento d'água de meses atrás, jamais explicado pelo prefeito ou o vice.
Agora, Melo promete rampas para "esportes náuticos" no Guaíba, como se isto fosse o problema. Esqueceu-se que o rio apodrece a cada dia e que, durante meses, a água da torneira teve mau odor e cor, e até hoje irrita olhos e pele. Marchezan fala em "mudança", genericamente, mas nunca se lembrou de mudar o trato rude que damos ao rio cuja água ele próprio bebe.
Para resolver o fundamental – a água – estamos todos nas mãos de Iemanjá. Só dela!
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