O altíssimo Monte Olimpo era a morada dos 12 deuses da mitologia da Antiga Grécia e, para homenageá-los, surgiram os Jogos Olímpicos. Após uma interrupção de 14 séculos, em 1896, no auge do apego à ciência, os jogos renasceram pelas mãos do barão de Coubertin, como caminho de integração da faminta Europa.
Sem deuses no Olimpo, a Olimpíada moderna busca ser ponte entre os povos. Mais do que competição, ressurge como festa fraternal – os jogos demonstram vigor e intercâmbio, não disputa.
Nesta visão, a Olimpíada de 2016 dá uma trégua à cidade mais violenta do Brasil, onde o crime está em todos os escalões - no setor público e no privado, na rua, em casa ou no trabalho, no morro e nas praias, a qualquer hora, varando a noite.
A paz volta agora ao Rio, mas sob o impacto de fuzis e tanques de combate. Nas ruas, aeroportos, estações férrea ou rodoviária, no mar, em terra ou ar, a vigilância faz com que a cidade seja a ficção do que não é na vida real.
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Mas, se o Rio virou o oposto daquilo que de fato é, no país ocorre o contrário: a realidade soa a ficção.
Não comento o que ocorre no Rio Grande. Tudo está à mostra. As paralisações da Brigada e da polícia, ou os protestos de professores e alunos das escolas públicas são o contraponto de um poder governamental inerte frente à realidade. A remuneração miserável dos professores e soldados da Brigada, contrasta com o aumento que (em plena crise financeira estadual) o Legislativo deu a seus funcionários e ao poder Judicial e Tribunal de Contas.
Como entender que os setores melhor remunerados acumulem aumentos salariais negados aos de baixa remuneração? É paradoxal que a Assembleia favoreça seus integrantes e desdenhe os demais.
O axioma constitucional de que "todos são iguais perante a lei" será balela?
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No surto de violência, o horror surge em diferentes áreas, como se o crime ocupasse toda a sociedade. Ou como se o terror orientasse o cotidiano.
Depois daquele homem torturado e enforcado, com o corpo nu exposto numa praça da zona sul da Capital, algo ainda mais cruel ocorreu na zona norte: um homem esquartejado, a cabeça decepada encontrada a 800 metros dos restos picados do corpo.
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É urgente ir ao fundo do problema. Só pensar em mais polícia e mais presídios, porém, é admitir que devemos conviver com o crime, em vez de evitá-lo.
Mas só se evita o horror eliminando as causas pelo nascedouro. Não há, porém, sequer ideias sobre isto, muito menos ações. Cultiva-se a violência, aplaude-se o grotesco: na infância, o "mata-mata" dos videojogos (ou "games", em inglês); na adolescência, a "música" sem musicalidade e com letras abomináveis. Na linguagem, o palavrão vira coloquial.
Na vida adulta, a violência torna-se tão íntima que vira "normalidade".
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Mas há o que festejar. A Justiça (em especial na área federal) segue vigilante.
Agora, um dos intocáveis deste país, o almirante Othon Pinheiro da Silva, foi condenado a 43 anos de prisão por milionárias fraudes de quando chefiou a Eletronuclear, subsidiária da Eletrobras, nos governos Lula e Dilma. As fraudes têm um agravante ético: foram perpetradas junto com a filha, dona da empresa de fachada pela qual se disfarçavam as propinas.
O almirante foi um dos grandes nomes da ditadura militar direitista. Engenheiro nuclear, comandou o secretíssimo Programa de Desenvolvimento do Ciclo de Combustível para chegar à bomba atômica. Até hoje, não se sabe quantos bilhões foram gastos na megalomania de nos tornar "potência nuclear", como a Índia ou Paquistão, mesmo sem vencer a pobreza e a fome.
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O governo do general Figueiredo aboliu a tortura e o assassinato (obras da "tigrada" militar), mas teve de manter o segredo da "bomba nuclear", desmontado em 1986 por José Sarney.
O almirante Othon retornou à cena no governo Lula, como "conselheiro naval e militar" do presidente e, logo, chefe da Eletronuclear e responsável direto pela construção das usinas atômicas de Angra dos Reis.
Agora, um ramo da Lava Jato lhe fez uma olímpica lavagem atômica!
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