O absurdo maior da política está em nós, não só na corrupção dos políticos. Quando nos enganam ou o corrupto se diz injustiçado, faz pose de vítima ou chora à nossa frente e tomamos tudo isto como rotineiro, o erro é nosso, não deles.
A renúncia de Eduardo Cunha à presidência da Câmara dos Deputados, por exemplo, reúne toda a mistificação. É manobra para evitar a cassação do mandato, mas corre o risco de se incorporar ao cotidiano e ser, assim, aceita pela imprensa e a opinião pública.
Cunha é velho impune. No governo Collor, meteu-se em desvios como diretor da empresa estatal Telerj e, depois, na companhia de água e esgotos do Rio de Janeiro. Passou por vários partidos até virar articulador-mor do PMDB, como o deputado mais influente na Petrobras nos tempos de Lula. Com essa credencial, organizou a chamada "bancada evangélica" como enviado divino. Acusado de receber propinas entre R$ 41 milhões e R$ 120 milhões, chorou frente à TV ao renunciar à presidência da Câmara, dizendo-se "vítima de vingança" por levar adiante o impeachment de Dilma, "e nos livrar do criminoso governo do PT".
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É penoso tomar tudo isto a sério sem vomitar. Ou sem pensar que estamos num mundo extraterrestre, noutro planeta, em que até um membro do Conselho de Recursos Fiscais (que investiga grandes fraudes) exigiu suborno a um banco.
Para vencer a náusea, prefiro pensar na sonda da Nasa que dá voltas a Júpiter. Levou cinco anos para chegar lá e é o feito maior da ciência do século 21. Com ela, vamos suprir nossa ignorância sobre a origem do sistema solar e seus campos magnéticos, conhecer nossa origem e de onde viemos.
Desvendar a magnetosfera já bastaria, mas a sonda fez o inimaginável: percorreu 716 milhões de quilômetros, equivalente a 18 mil voltas à Terra, movida unicamente a energia solar.
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Aqui, com sol abundante, nada sabemos da energia solar. Para um banho morno, nos contentamos com caríssimos painéis de atrasada tecnologia estrangeira. Temos tanto sol quanto a ensolarada África, mas é como se vivêssemos no gelo polar. Para gerar energia elétrica, destruímos o ambiente natural com mastodônticas hidrelétricas ou poluímos ar e terra com usinas a diesel.
Não desenvolvemos a energia solar. Aqui, ciência é tolice. No Executivo e no Legislativo, outras (e mais banais) são as preocupações.
Agora, como "prioridade", o Senado se mobiliza para legalizar a jogatina, como se abrir cassinos e disseminar o vício do jogo de azar fosse algo produtivo e representasse evolução e progresso.
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O jogo foi proibido no Brasil em 1947, no governo Dutra (quando o gaúcho Adroaldo Mesquita da Costa era ministro da Justiça) pelo caráter criminoso de chaga pessoal e social.
O vício da jogatina contém em si perigos quase tão brutais quanto a droga. O adicto abandona tudo pela aposta que ele mesmo não controla – relega a família e o trabalho a plano inferior, foge da convivência e desconhece a solidariedade. Tudo se resume "a ganhar e ser premiado".
Os cassinos viram templos e o frequentador habitual lhes dá o valor sagrado de decidir sobre o futuro e a fortuna. E tudo num passe mágico, em um minuto, enquanto a roleta gira e o crupiê grita: "Façam jogo!".
Não se trata do jogo como passatempo, mas como ocupação única que suplanta tudo.
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No ambiente geral de corrupção que hoje se conhece no país, o jogo legalizado seria o paraíso da "lavagem de dinheiro" oriundo da corrupção. Tempos atrás, os bingos foram proibidos por "escândalos" com falsos prêmios e outras safadezas. Como seria legalizar a jogatina e entregá-la em concessão a particulares?
O autor do projeto, senador Ciro Nogueira, do PP do Piauí, e o relator, Fernando Bezerra, do PSB pernambucano (ambos envolvidos na corrupção da Lava-Jato) argumentam que os cassinos "geram emprego e renda" e "investimentos expressivos e relevantes" e que 10% do lucro se destinaria à Previdência Social.
Também a prostituição, o roubo e o crime podem gerar emprego e renda ou atrair investimentos, mas – por isto – serão defensáveis como ideia?
Prefiro pensar em Júpiter!