O futebol se incorporou tão profundamente à sociedade que está, até, nos atos da vida social e pessoal. Não ouso, porém, escrever sobre futebol num jornal que tem os melhores cronistas desportivos do país. Assim, peço desculpas a Luiz Zini Pires, Wianey Carlet e os demais para lembrar o gesto de Messi e falar do comportamento humano.
O insuperável Messi errou o pênalti no jogo decisivo da Copa América e, culpando-se pela derrota argentina, decidiu não mais integrar a seleção nacional. Redimiu-se perante si próprio privando-se da glória maior a que aspira todo jogador – em todo mundo, integrar a seleção é o mesmo que, para um político, chegar à presidência da República.
Quem, porém, de nossos falastrões da política teria a honesta humildade de penitenciar-se dos erros?
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Nem em erros ocasionais, como o pênalti de Messi, sequer sussurram ''mea culpa''. Menos ainda nos erros planejados, nos crimes associados entre si ou em conluio com empresários já amestrados na arte do assalto. As fraudes estão à mostra. Todo dia um novo escândalo se junta à orgia corrupta de políticos e empresários.
Hoje me limito ao Rio Grande, onde o horror mais recente envolve algo imprescindível – a água. Sim, a falsa ''água mineral'', contaminada por coliformes fecais, limo, mofo e bactérias, engarrafada em minha região natal e vendida país afora sob as marcas Do Campo, Biri-Biri, Carrefour e Roda d'Água.
Dois sócios da empresa e o químico responsável foram presos. Apontado como cúmplice, o coordenador regional da Saúde foi afastado do cargo e morreu, vítima de infarto.
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Em 2014, o mesmo grupo de promotores de Justiça descobriu outro crime: leite e queijo adulterados com formol, envenenados no processo de industrialização. Em 2015, nova adulteração, agora com soda cáustica. Alguns dos novos envenenadores eram os mesmos de antes, só mudando o nome da empresa sem mudar o crime.
Se em 2014, o governo estadual mandasse a Brigada ocupar a indústria, seria talvez ''ilegal'' e a Justiça ordenaria desocupar, mas o crime não se repetiria. Tive saudades do governo de Brizola!
Em tudo, porém, no leite e na falsa água mineral, doeu-me que o núcleo do crime seja Lajeado, onde nasci e me alfabetizei: quando guri, Progresso era distrito do município. Mas a dor dissipou-se ao saber que o promotor Mauro Rockembach (chefe das duas investigações) é filho de Enio Rockembach, querido amigo de infância, lá nascido também e falecido há pouco.
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Se a maldade nasce na aldeia, não na babel da Capital, o que será dos grandes crimes impunes?
O maior deles, o multimilionário assalto à CEEE em 1987-88, no governo Pedro Simon, até hoje não foi julgado sequer em primeira instância. Descoberto em 1992 (quando Dilma Rousseff era secretária estadual de Energia) o roubo foi esmiuçado, depois, por uma CPI do Legislativo. Desde 1994 repousa placidamente nas gavetas da 2ª Vara da Fazenda Pública, em segredo de Justiça.
Em valores atuais, supera R$ 800 milhões, mais que o ''mensalão''. Mas nenhum juiz ou procurador de Justiça o leva adiante, nenhum político se interessa em denunciá-lo sequer por oportunista demagogia.
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O que acobertam as entranhas da velha corrupção na CEEE para que o desdém seja tanto e de tantos?
Houve progressos na Justiça, como as condenações no assalto ao Detran, que passou do governo Rigotto ao de Yeda Crusius, mas a confiança rareia.
Agora, outra vez Porto Alegre e outras cidades estremecem sob o impacto da violência, com roubos e mortes. No letárgico governo de Sartori, a única (e tardia) providência é aumentar o policiamento, algo necessário mas insuficiente. Não se pensa em extirpar as causas da violência e dos violentos. Nem em reeducar a sociedade inteira para que o latrocínio, o roubo e o narcotráfico deixem de ser profissão rendosa.
Quando alunos e professores se veem obrigados a ocupar escolas em busca de melhor ensino e melhor educação, o que esperar do inerte poder público?
Por isto, convido a pensar no gesto de Messi e seu significado.
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