Mudam os tempos e, com eles, hábitos e profissões. Como prever, 50 anos atrás, que a política seria rendosa profissão ou atividade, sem um centavo de investimento? Ou que certos empresários seriam ilusionistas e cobrariam por obras públicas nunca realizadas?
Tempos atrás, jovens universitários indagaram-me sobre qual a "melhor profissão" e respondi: A alegria, toda atividade honesta que nos dê alegria. "E a mais rendosa?", indagou outro (com olhar vidrado, como o de Eduardo Cunha) e eu não soube responder.
Hoje tenho resposta: fabricar tornozeleiras eletrônicas é o grande negócio, rendoso e necessário. As leis são brandas e os grandes criminosos não vão para presídios, ficam em casa, presos pela canela.
O Brasil anseia por tornozeleiras. Ainda por 20 ou 30 anos será investimento seguro, com lucro em larga escala. Não faltam usuários!
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Em Porto Alegre, porém, o mais rendoso é desobstruir bueiros. Faz-se a empresa, a Prefeitura contrata e se desobstruem bueiros onde não há bueiros. Ruas e calçadas se inundam na chuva, pois os bueiros se desentopem só nos papéis e a Prefeitura paga por tudo o que o papel indica.
Se, mesmo em dia seco, o prefeito Fortunati saísse à rua, veria o que os repórteres deste jornal viram, mas ninguém no poder municipal viu - nem secretário de Obras, diretor do DEMAE, DEP ou outro funcionário. Nem qualquer vereador.
Como o prefeito ia ver tudo aquilo que o jornal viu, se até hoje não viu o que está ao lado do seu gabinete - o mercado público ainda em obras pelo incêndio de três anos atrás? Em 2013, a reconstrução se adiou porque "a prioridade era a Copa do Mundo". Hoje, o prefeito (talvez traumatizado pela surra que nos deram os alemães) continua sem ver o outro lado da rua.
Liberte-se do trauma, prefeito. Até o Felipão se libertou. Mas não entre em negócios da China, deixe isto para ele, que lá está!
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Triste é a água de Porto Alegre. Tanta chuva, trovão, raio e granizo, mas a "água potável" cheira a fezes ou a couro recém curtido, tem sabor a ferrugem e cor de bugio. Já não é incolor, insípida e inodora como a água é.
A fonte poluidora só pode vir de rejeitos industriais lançados ao rio, mas "os papéis estão em ordem"! O caso é grave, mas os órgãos de Meio Ambiente municipal e estadual "ignoram a causa" que todos veem e sabem que está na pestilência que torna o Guaíba imensa cloaca. E aí caímos nos esgotos e bueiros, início desta história de descaso em qualquer caso.
Poluímos a água que vamos beber, cozinhar, lavar pratos e nos banhar. Não bastam os banhados, sangas e veios d'água (fundamentais para o equilíbrio ambiental) aterrados com detritos?
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A chuva de granizo mata animais e aves, destrói plantios, fere pessoas e destelha casas. E a mão humana agrava a fúria! As mudanças climáticas, responsáveis pelo aumento de tempestades, são obra nossa. A ciência adverte, mas a voracidade da sociedade de consumo não vê.
Quando da conferência da ONU sobre sustentabilidade, no Rio, sintetizei a conclusão de 128 cientistas reunidos pela UFRJ e aqui escrevi a 24 de junho de 2012:
"As mudanças climáticas devidas ao aquecimento global não atingirão só os ursos do Polo Norte e os pinguins da Antártida. As secas serão mais severas na Amazônia e todo Brasil. Com menos floresta, desaparece o equilíbrio e intensas chuvas de granizo e enchentes se multiplicarão no Sul, da Mata Atlântica ao Pampa".
A advertência se concretizou. O calor retido na atmosfera aprisiona as nuvens gélidas vindas da Antártida, que aqui caem como bombas.
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Há ainda algo mais rendoso: fundar uma igreja, fingir-se enviado de Deus e fazer milagres pela TV.
Dois anos atrás, em palestra na Associação de Dirigentes Cristãos de Empresa, ADCE, o arcebispo metropolitano, dom Jaime Spengler, lembrou que hoje "tudo é visto em perspectiva de negócio, inclusive em igrejas".
– Até o religioso virou negócio. E bom negócio! –, frisou, em alusão às pseudoigrejas transformadas em fábricas de milagres cobrados em ouro.
Empreendedores, à obra!
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