O crime horripilante de dias atrás no bairro Serraria, em Porto Alegre (um morador foi torturado, logo enforcado e o corpo nu exposto na praça da Vila dos Sargentos), não é único retrato perverso da violência que nos rodeia. Aquele horror que explode mundo afora, e que a TV nos mostra em imagens coloridas, pode simbolizar-se na loucura fanática do chamado Estado Islâmico, mas está também aqui, ao alcance de nosso nariz, mesmo com outras raízes.
As consequências, porém, são idênticas.
– É a Terceira Guerra Mundial –, advertiu o papa Francisco nesta semana, em referência ao sacerdote de 85 anos degolado, na França, por um fanático do Islã. Mas "não se trata de uma guerra religiosa, mas de uma guerra por interesses de poder", frisou, numa nova crítica à cobiça fomentada pela sociedade de consumo. Desde 2014, o papa chama de "Terceira Guerra Mundial" as diferentes formas de violência geradas pela ambição de poder. "Todo horror está contido ali e dali se expande", reiterou agora, na Polônia, na Jornada Mundial da Juventude.
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A violência e as guerras têm a idade da História. Nenhum leão, mesmo faminto, devora outro leão. Mas nós, humanos e canibais, enganamos e matamos os semelhantes para nos apoderar do que tenham ou do que venham a ter.
A era moderna dissimulou o canibalismo. O avanço científico-tecnológico facilitou a vida atual, a modernidade aproximou os povos e já não há distâncias. Tudo está ao alcance da mão, basta um toque no computador. Mas também o terror da cobiça se espalhou e criou estímulos para um consumo desenfreado que aniquila o pensar e o transcendente. Cada vez mais, buscamos apenas ter mais e chegar ao poder, seja de que tipo for ou para o que for.
Alguns buscam honestamente pelo trabalho empreendedor. Outros, pelo caminho tortuoso e fácil do engano e da mentira, irmãos gêmeos da preguiça e da ignorância, parentes da loucura.
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Nessa sofreguidão, os Eduardos Cunha e aqueles políticos do PMDB, PT, PP e outros (que, em concubinato com grandes empresários, assaltaram a Petrobras) se misturam a marginais de menor porte.
A não ser o desfrute arrogante do poder, em que se diferem dos delinquentes visíveis? Tão perverso é o crime organizado nos altos escalões quanto o dos irresponsáveis que, em Arroio dos Ratos, aprisionaram (com grades nas janelas e cadeados nas portas) os internos de uma "clínica" para drogados, incinerados vivos.
O absurdo está em todas as partes e dificulta separar o violento do grotesco ou do irônico. Em Brasília, na residência oficial do presidente da Câmara dos Deputados (já com novo titular há dias), Eduardo Cunha ofereceu um churrasco a seus antigos e fiéis servidores, para despedir-se do posto do qual foi destituído pelo próprio parlamento.
A carne e os quitutes, os assadores e a criadagem de gravatinha borboleta, tudo foi pago por nós, que enchemos as burras governamentais para que os empoleirados no poder se locupletem e esbanjem o que não é deles.
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A "Terceira Guerra Mundial" tem tantas frentes de combate, tantas armas novas e sabe aproveitar e atualizar velhas táticas e estratégias, que pensamos, até, que vivemos em paz.
Agimos como se a violência fosse tão incontrolável como a chuva, sem poder detê-la nas enxurradas. Fazemos da competição um modo de vida, "subimos na vida" à custa dos demais, rejeitamos a solidariedade, a compreensão e o amor. Aplaudimos o grosseiro, desde o mau gosto do palavrão à música do "tum-tum", sem ritmo nem harmonia. Aceitamos a violência proclamando (estupidamente) que a solução "é construir mais presídios". E o narcotráfico reina impávido e dá gargalhadas.
Quem pensa em educar e reconstruir as bases ético-morais de comportamento da sociedade inteira?
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A violência mais ameaçadora, porém, está ao norte da América e nos ronda: o direitista Trump não é o inocente Pato Donald, mesmo tendo o mesmo nome.
Seus gritos já nem são os da Terceira, mas os da Quarta Guerra Mundial e lembram o facínora de bigodinho que levou o mundo ao horror da Segunda Guerra, em 1939.