E agora? A próxima decisão do Senado sobre o "impeachment" de Dilma leva a uma constatação simples mas profunda: a posição de cada senador não deve ser a do cidadão comum que opte pelo "não" ou pelo "sim". Qualquer um de nós pode considerar o atual governo medíocre e desastrado (como acho eu) ou servir-se dele como baú da felicidade, como o faziam (até bem pouco) os chefes do PMDB, do PP e demais da base alugada.
Podemos querer que Dilma caia ou fique, seja pelo que for. Mas com os senadores é diferente.
Os senadores agora são juízes. E num nível tal que o presidente do Supremo Tribunal guia o processo e dirigirá as sessões que decidirão sobre a função mais alta da República. O correto e verdadeiro juiz não decide sem exame profundo do que vai julgar. Antes, ouve as partes envolvidas, vai ao fundo do "sim" e do "não". Só assim chega ao âmago de forma isenta, sem pré-julgamentos falsos nascidos da simpatia ou antipatia pela figura em jogo.
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Não é esta, porém, a posição de grande parte dos senadores-juízes, que escancaram o voto sem interessar-se pela acusação ou pela defesa. E o Senado corre o risco de não saber interpretar o que seja "crime de responsabilidade", que é a única hipótese legal para derrubar a presidente. E sem "crime de responsabilidade", tudo se vicia e soa a tenebrosa usurpação em favor do vice.
Seria pífio e infantil tomar por base os votos dos deputados. O circo da Câmara comandada por Eduardo Cunha (réu no assalto à Petrobras) não serve de paradigma nem modelo, como vimos todos pela TV, há duas semanas.
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Mas, mesmo estando em jogo a presidência da República, a visão superficial sobre o significado de tudo se alastra pelo Senado.
Agora, quando dois dos três proponentes do "impeachment" expuseram suas razões, quase ninguém os ouviu na comissão especial de 21 senadores, oito dos quais são acusados na Lava-Jato.
Nos celulares, os senadores-juízes que (desde já) pregam a derrubada de Dilma, não davam atenção sequer às exposições que serviriam de apoio a eles próprios. Entre os governistas, idêntica displicência. A exceção foi o senador Lindberg Farias, que refutou com brilho as teses (também brilhantes) do jurista Miguel Reale Júnior sobre os "crimes de responsabilidade fiscal" atribuídos a Dilma.
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O processo de "impeachment" entra na fase final longe ainda de um julgamento imparcial e sem paixões. O senador Antônio Anastasia, do PSDB mineiro, (que, como relator do processo é figura fundamental em tudo) prometeu apenas ser "sereno", mas não falou em isenção.
Há, porém, pelo menos um consolo: as palavras iniciais do jurista Miguel Reale à comissão evitarão que se repita, no Senado, o grotesco e obsceno episódio desatado por Jair Bolsonaro na Câmara de Deputados.
- Lamento que o pedido de "impeachment" tenha sido utilizado para homenagear o torturador major Ustra - disse Reale, que no governo Fernando Henrique presidiu a Comissão de Mortos e Desaparecidos na Ditadura e conheceu os porões da grande tragédia do século 20 no Brasil.
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Enquanto isto, Temer, como principal coordenador do "impeachment", abertamente busca votos entre os juízes-senadores.
O comportamento é inédito. Na queda de Collor, jamais Itamar Franco se manifestou. Sabia que os votos tinham sido para o presidente, não para o vice, só um mero acompanhante, eleito sem sufrágios, tal qual ocorreu com Dilma e Temer.
A base alugada (que, com o PMDB, foi esteio do governo Dilma) já se oferece ao vice-presidente. Em venda ou aluguel, se entrega a qualquer preço, como mercadoria ou garota de programa. A cobiça pelo poder se expande. Temer e o PMDB prometem tudo e já conquistaram o PSDB, sob promessa de "não reeleição".
A anarquia do governo Dilma surgiu da junção da inércia do PT com a esperteza do PMDB, somado à tradição do PP (de Paulo Maluf) na arte da rapinagem. Se Dilma cair e Temer subir, daqui a um tempo talvez o PT se ofereça para compor a futura base alugada...
Os juízes serão também a crise?
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zhora.co/ FlavioTavares