Estamos acostumados a imaginar que as peças de teatro se dividem em duas categorias: aquelas voltadas ao puro entretenimento, sem qualquer pretensão maior, e aquelas que ambicionam grandes debates, às vezes escorregando para o hermetismo. Podemos encontrar bons e maus exemplos em cada um destes tipos.
Mas há casos em que um trabalho consegue unir o melhor dos dois mundos: agradável de se assistir e, ao mesmo tempo, com muito conteúdo. Aí estamos no paraíso. É um equilíbrio difícil de encontrar, mas é o que atingiu a Cia. Rústica com Fala do Silêncio – Amor, Naufrágio e Rock'n'Roll (leia reportagem). Devo dizer que a montagem dirigida por Patrícia Fagundes saiu de cartaz no último domingo, com excelente público. Então, se você não viu, recomendo que fique ligado para quando voltar a cartaz (não se preocupe, noticiaremos aqui no jornal).
Fala do Silêncio é desses trabalhos que tratam de muitos assuntos ao mesmo tempo, como toda boa obra de arte. A trama principal envolve traições, especificamente aquelas que ocorrem na vida conjugal, mas você pode pensar em outros tipos, como o estelionato eleitoral que anda tão na moda por aí. É para estabelecer estas conexões com o nosso tempo que a companhia inseriu em cena projeções de acontecimentos dos últimos anos no mundo.
O chamado para um diálogo com a atualidade também aparece na boca dos atores: Leonardo Machado, Lisandro Bellotto e Priscilla Colombi. É que Patrícia incluiu diversos textos de sua autoria entre as cenas da peça de Harold Pinter (Traição, de 1978) que serviu de base para a montagem. Funciona muito bem.
A diretora e a Cia. Rústica querem enfrentar a polarização da sociedade para que possamos conversar civilizadamente. Talvez tenhamos mais em comum do que pensamos. Talvez consigamos aceitar as diferenças. Todos que têm um tio conservador ou um filho de esquerda sabe do que estou falando. Que tal começar com uma ida ao teatro?