No final dos anos 1960, um grupo de críticos decretou a morte do autor. A causa era boa: eles queriam que o significado das obras não fosse atribuído mais exclusivamente à suposta intenção do autor ao criá-la. Algum tempo depois, outra geração de especialistas retomou a importância da experiência do autor, sob outros termos. Esses teóricos estavam interessados em questões como gênero, raça e nacionalidade. Assim, era importante analisar o lugar de onde se fala, considerando a vivência daquele que cria uma obra.
É nesse contexto que vale a pena ficar de olho em uma vertente da produção teatral vislumbrada em alguns espetáculos do 23º Porto Alegre Em Cena que tematizam questões da identidade e da cultura afro-brasileira, assim como da posição dos negros na sociedade hoje. Os tópicos apareceram em produções gaúchas como AfroMe, sarau performático do jovem grupo Pretagô, e Dança do tempo, peça da veterana Usina do Trabalho do Ator (UTA).
Festivo e contundente, AfroMe toca em feridas da sociedade brasileira e, em específico, da gaúcha. Denuncia o apagamento dos negros da história do Estado e sua contínua expulsão para regiões periféricas da cidade. Uma das canções questiona, como um mantra: "Tá bom? Pra quem?".
É bonito ver os jovens do Pretagô, dirigidos por Thiago Pirajira (que também está em Dança do tempo, ao lado da experiente Celina Alcântara e outras atrizes), arejarem a cena porto-alegrense com vontade e criatividade, de alguma forma dando continuidade ao grupo Caixa-Preta e à UTA. É um exemplo de que o debate se renova com a única certeza de que o teatro é um espaço privilegiado para cantar que a situação no país não está boa para todo mundo.