Já falei sobre isso aqui mesmo, e não pretendia me repetir – só que caiu justo em data redonda. Entrei em Zero Hora num dia 9 de agosto. Foi em 1976: há 516 meses, ou 16 mil dias atrás. Tinha 18 anos recém feitos – mas já me sentia retardado. “Rimbaud produziu o cerne de sua obra dos 13 aos 17...”, ruminei com meus botões. “E calou a pena aos 21”. Eu achava, portanto, que estava cinco anos atrasado, e que só me restavam três para deixar minha marca na história do jornalismo e, é claro, da literatura. Embora o tempo urgisse, resolvi ir a pé – do Moinhos à Azenha, de uma moenda à outra, ambas tão extintas quanto o trigo que os açorianos plantavam (embora em geral só comessem o pão que o diabo amassou).
O jornal ficava onde ainda está, às margens do pobre e podre Dilúvio. Dentro, um véu de fumaça recobria tudo: para ser jornalista era indispensável fumar, tomar café, beber e só dormir de madrugada. A ordem dos fatores não alterava o produto, mas todos eram indispensáveis à equação. Não era, talvez por isso, profissão recomendada às mulheres, e menos de 10% da Redação era delas. Desde o primeiro dia, havia um clima estranho no ar. Não que lá fora estivesse melhor. Mas o fato é que todo mundo escrevia datilografando em ovos, se é que você me entende. E os boatos eram de que havia um censor entre nós.
A censura prévia fora imposta pelo decreto-lei 1.077, assinado por Garrastazu Médici, em janeiro de 1970, e censores circulavam nas redações do Jornal do Brasil e do Estadão. Estariam aqui também? Naquele agosto de 1976, quem se encontrava no poder era o quarto presidente fardado, Ernesto Geisel. Foi Geisel quem decretou a abertura “lenta, segura e gradual”. E também quem sufocou a tentativa de golpe ocorrida em outubro de 1977, um ano e dois meses após eu entrar em ZH, quando o general Sylvio Frota tentou empurrar o país para a direita de Gengis Khan. A notícia da exoneração de Frota saiu nos jornais – mas o que ele pretendia fazer, não. Mas todos ficamos sabendo. Menos, talvez, o censor.
Como quer que seja, nunca fumei muito Geisel. Mas sabe duma coisa? Ele não teve registro de indisciplina na caserna, nem era palmeirense: era general e gremista. E revogou o AI-5, em dezembro de 1978, enterrando a censura prévia. Mas daí eu já estava entre os cactos do México – tão longe e tão alto, que não pude ir ao enterro da censura, nem dos censores.