Quando Renato contestou o regulamento do Gauchão, dei-lhe razão. Quem faz a melhor campanha merece algo mais do que apenas o mando de campo nas finais. Jogar por dois resultados iguais seria o justo prêmio pelo rendimento ao longo do campeonato, em vez de um mero reforço anímico, caso do fator local. A tal da meritocracia, enfim.
Há casos em que a própria torcida da casa se revolta contra o seu time, transformando vantagem em filme de terror. O Grêmio quase foi golpeado de morte quando Thiago Santos entrou na Arena e milhares de pessoas, em uníssono, passaram a vaiá-lo quando ele tocava na bola. Renato teve de tirá-lo minutos depois colocá-lo. O clima pesou.
Naquele momento, portanto, em que Renato lamentou a confusão na qual se metera ao perder para o Ypiranga a sua única partida no campeonato, coloquei-me no lugar dele. O Grêmio tinha ido mal apenas durante os 45 minutos do segundo tempo. Ali tomou a virada. Deu um azar medonho: lesões em série, convocações e suspensões de uma só tacada, desfigurando a equipe.
Aquela derrota única exigiu epopeia na Arena: vitória no tempo normal e nos pênaltis. Por mais que o desempenho nas penalidades tenha a ver com treino, há um componente aleatório. A campanha do Grêmio foi muito melhor do que a do Ypiranga, mas tudo teve de ser resolvido na famosa marca da cal. Injusto.
Injusto? Bastou um dia em Caxias do Sul, palco do primeiro jogo da final do Gauchão, conversando aqui e ali, e somando os papos com amigos lá de Erechim, para eu mudar de ideia. Não digo que fui convertido. Não é bem isso. Sigo achando que Renato tem razão na teoria.
O problema é que temos de olhar também o ponto de vista do Interior. Inter e Grêmio, logo ali adiante, baterão em receitas de R$ 1 bilhão por ano. A folha do Grêmio era de R$ 14 milhões antes das saídas de Lucas Leiva, Thiago Santos e Thaciano. A do Caxias não chega a R$ 300 mil. Um mês de Suárez banca um semestre do grupo de 29 jogadores do Caxias. A diferença é monstruosa. Desumana. O fosso aumenta a cada ano.
Então, a FGF não está errada em defender um regulamento que ajude os clubes do Interior nos matas-matas, diante do gigantismo Gre-Nal. É um jeito de valorizar o produto, dando-lhe chance de alguma emoção — a decisão por pênaltis enquanto emblema.
Grêmio e Inter têm mais torcida, melhores jogadores, cotas quase abusivas de TV comparadas as de seus adversários, exalam poder e influência sufocantes na Província de São Pedro e ainda querem mais essa vantagem? Não basta assim como está? O objetivo é aniquilar, esmagar, tirando de seus miseráveis adversários o direito ao sonho, já quase impossível, de ao menos disputar uma decisão?
Não se trata de privilégio, mas de incentivo esquálido para os clubes do Interior seguirem existindo nesse coliseu com leões famintos ao redor. Temos de ver o todo. É a mesma lógica do sistema de cotas raciais e de baixa renda para o ingresso nas universidades públicas.
Não se pode arrostar, hipocritamente, meritocracia numa corrida educacional na qual uns largam séculos na frente. É claro que estes vencerão 90% das vezes, pela sua condição social e econômica. Sem uma ação prática e indutora para incluir, a situação só se agravará. As mudanças estruturais não chegam nunca.
Esperar até quando? Vale o mesmo para a dupla Gre-Nal e o Interior.
Que o regulamento do Gauchão siga exatamente como está. Em nome da empatia e da justiça.