Foi conto de fadas, com homenagem a Pelé em noite de show. Nada mais apropriado ao maior artista de todos, que luta pela vida com as orações do mundo a ajudá-lo. Não teve chance para a zebra teimosa dessa Copa do Catar passear no 974 Stadium, a bordo da impaciência nervosa se o gol não viesse cedo. Mas ele veio. Um não: muitos. Em pouco mais de meia hora já estava 4 a 0, com Neymar em campo deixando o seu de pênalti, atuação exemplar do gaúcho Raphinha e um banho de bola coletivo.
Agora é uma Croácia cansada nas quartas, após eliminar o Japão apenas nos pênaltis. Organizada, com zagueiros que constroem e atacantes que ajudam a marcar, a Seleção de TIte deu um nó tático na Coreia do Sul. Na história das Copas, talvez tenha sido uma das classificações brasileiras na fase de mata-mata mais tranquilas. Compreende-se Tite, todo desajeitado, bailando na dança do pombo, desde já a imagem mais engraçada desse Mundial no deserto. Ele tinha motivos de sobra para festejar e exorcizar demônios.
Como passista, que fique claro, Tite é um baita técnico. Parecia uma pombajira no meio da gurizada, Daniel Alves comandando a confusão. Melhor assim. Ficou mais divertido, para distensionar dias de azares e lesões em série. O ambiente estava tenso. As críticas vieram acima do tom após a derrota dos reservas para Camarões, apesar da necessidade de descansar titulares pela proximidade dos jogos.
Mas qual a razão para Tite se atirar na pista, afinal, arrancando gargalhadas de Paquetá, esse sim um craque das coreografias, sucesso entre adolescentes nas redes sociais? É que tudo o que ele planejou, aconteceu. Escolheu Danilo na lateral esquerda, em vez de Marquinhos. Acertou duas vezes. Primeiro, por não desarmar uma dupla de área que joga por música, Thiago Silva e Marquinhos. Segundo, por preservar a maneira de atacar.
Como lateral-direito, Danilo vira volante ao lado de Casemiro, empurrando Paquetá para formar linha de cinco na frente com Raphinha, Neymar, Vini Jr e Richarlison. Só trocou o lado, agora na esquerda pelas lesões de Alex Sandro e Alex Telles. A saída lá de trás ficou com Marquinhos, Thiago Silva e Militão. A linha de cinco defensiva vermelha ruiu diante da avalanche montada por Tite.
Neymar superou expectativas. Suportou bastante, até ser substituído por Rodrygo aos 80 minutos do segundo tempo. Aplauso a ele pelo esforço para se recuperar de lesão medonha no tornozelo direito em 10 dias. Paquetá foi o volante apoiador que Tite pede. Raphinha fez sua melhor partida, marcando e atacando. Assinou titularidade. O gol de honra coreano foi à altura do show da Seleção, bucha de fora da área, sem chance para Alisson, que fez algumas defesas de cinema.
Deu jeito até de treinar no segundo tempo, dando chance para Ederson estrear, testar Bremer na lateral-esquerda e dar alguns minutinhos a Daniel Alves como prêmio de consolação, quando não havia mais competição, e sim apenas treino. Que venha a experiente Croácia, uma vice-campeã quatro anos mais velha e sem brilho, mas sempre perigosa. Com Neymar ainda melhor e recuperado, ele e seus confiantes coadjuvantes de luxo, dá para sonhar. De pés no chão, mas vamos combinar que sonhar não custa nada. Pelo Brasil. E por Pelé.