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O jogo deste domingo (13) é só um aperitivo de Brasileirão em pontos corridos, disputado por reservas em um estádio quase vazio. Mas quando chegar a hora de o Grêmio enfrentar o Botafogo no mata-mata das semifinais da Libertadores, em setembro, a tradição brilhará com vários elementos e personagens em instâncias diferentes. O Grêmio de Renato terá pela frente não apenas um time, e sim uma entidade de matizes mitológicos do futebol brasileiro. No mundo real e prático, 11 contra 11, jogador por jogador, é comparar ouro e cobre. Luan ou João Paulo? Geromel ou Igor Rabello? Lucas Barrios ou Pimpão? Pedro Rocha ou Guilherme? Arthur ou Lindoso? O Botafogo é um time muito bem treinado, organizado, certinho, disciplinado – mas nem se compara ao Grêmio goleador de Renato.
Só que tudo isso, às vezes, não é nada. Enquanto no basquete e no vôlei o melhor ganha em 99% dos casos, no futebol outros elementos se sobrepõem em camadas de subjetividade capazes de mandar a lógica para a lata do lixo da chatice. E aí o Botafogo é, sim, muito perigoso. Ninguém precisa vir com piadinhas do tipo "se história ganhasse jogo, o time do museu era campeão sempre". O Grêmio é favorito, até porque também tem tradição e história de sobra. Só que há muito tempo o passado lendário do Botafogo não encontrava uma equipe tão valente para servir de doping.
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O Botafogo faz uma Libertadores guerreira ao ponto de já ter eliminado cinco campeões: Colo-Colo, Olimpia, Estudiantes, Atletico Nacional e Nacional. Por enquanto, protagoniza o típico roteiro do "eu acredito". Entrou pela porta dos fundos. Teve de remar em dois mata-matas classificatórios antes da fase de grupos. Não pegou uma moleza sequer. Só carne de pescoço. Nenhum filé. Foi avançando como se abrisse caminho na floresta a facão. Quando se achava que o fogo ia apagar, algo do além acontecia e a chama subia. No Rio, o Flamengo milionário mirava o Botafogo pobre com desdém. Quem segue vivo?
Não há como contar a história do futebol brasileiro, e nem da Seleção Brasileira, sem o Botafogo. De nossas cinco Copas do Mundo, em duas – 1958 e 1962 –, a base verde-amarela treinava de branco e preto em General Severiano, ao lado do Casarão onde as mais influentes personalidades cariocas organizavam grandes festas em meados do século passado. Quando vou ao Rio e passo por ali, sempre me impressiona o muro em frente. Os rostos dos ídolos do Botafogo estão grafitados, lado a lado. Dezenas vestiram a camisa da Seleção. Nem me atreveria a citar todos. Deve ser pecado esquecer o nome de alguma lenda.
A história da estrela solitária é tão reluzente que suportou mais de meio século de ostracismo. Depois das glórias até os anos 1960, os botafoguenses viram a Máquina Tricolor das Laranjeiras roubar a cena na década seguinte, o Mengão de Zico ser campeão do mundo nos anos 1980, o Vasco conquistar a América nos 1990 e, grosso modo, um revezamento destes daí por diante. Salvo espasmos como o Brasileirão de 1995, desde Heleno de Freitas, Didi, Zagallo, Garrincha, Quarentinha, Jairzinho, Gérson e Nílton Santos, o Botafogo vem passando por um declínio de relevância, mais ou menos acelerado conforme o período.
A diminuição da massa torcedora, pelo menos na comparação do salto geométrico de rubro-negros e vascaínos, é uma realidade. Verdade que o Vasco de Euricão Miranda parou no tempo e até superou o Botafogo em rebaixamentos: 3 a 2. Mas em termos de massa torcedora, o Vasco continua forte. Se você for ao Rio e perguntar o time de 10 pessoas, metade dirá que é Flamengo e o resto se repartirá em Vasco, Fluminense e Botafogo – nessa ordem. Eis aí outro elemento para o Grêmio colocar as barbas de molho e não subir no salto nessas quartas de final.
A torcida do Botafogo faz da Libertadores um foco de resistência. Algo do tipo "estamos vivos". A média de público é 34 mil. Contra o Nacional, quinta-feira, bateu em 40 mil – a lotação oficial do Engenhão é 41 mil. A Arena recebeu 38 mil para Grêmio e Godoy Cruz. O número de sócios em dia passou de 13 mil para 31 mil. O presidente Carlos Eduardo Pereira decidiu: o dinheiro de cotas por passagem de fase e nacos da bilheteria é dividido com os jogadores, sob forma de bicho. Contando a Pré-Libertadores, arrecadou R$ 25 milhões nestes dois itens.
O técnico Jair Ventura é filho de Jairzinho. Um emblema clássico: passado e futuro, no mesmo DNA. Os filhos dos jogadores têm sido presença constante em treinos, produzindo um ambiente familiar. As esposas criaram uma confraria. É um momento mágico de um clube que tenta escrever uma página inédita em sua história, algo assim como os bravos de Esparta contra o poderoso mundo persa: ganhar a primeira Libertadores.
Então, convém ao Grêmio colocar as barbas de molho. É muito mais time, tem jogadores infinitamente superiores e empilha gols em qualquer lugar, faça chuva ou sol, mas não se trata só de enfrentar o Botafogo do presente. Duro é se o Botafogo do passado resolver reencarnar justamente agora.