Pela ótica alemã, o nascimento do 7 a 1, que neste sábado completa três anos, não aconteceu na virada do milênio, como nos acostumamos a situar aqui no Brasil. É um pouco a nossa mania cultural do leite derramado. E tem o lado dramático, latino. É mais folhetinesco imaginar que o processo foi deflagrado a partir de um grande fiasco. Mas não.
A Alemanha não começou a transformar o seu futebol movida pela dor de uma derrota lancinante, a da eliminação como lanterna da fase de grupos da Euro-2000. Eles decidiram se reinventar após uma vitória. Na Copa da França, em 1998, dois anos antes da fatídica Euro disputada em conjunto na Bélgica e na Holanda, após bater o Irã por 2 a 0, a federação alemã entendeu que era preciso aproveitar o fim de uma geração balzaquiana, com média de idade acima dos 30 anos, e semear uma nova, inteiramente diferente.
Verdade que a curva já era descendente. Após ser finalista em 1982, 1986 e 1990, nas Copas seguintes o protagonismo definhava. O vice em 2002, diante do Brasil, não passou do último suspiro de uma escola esgotada, sem uma boa partida que mereça ser lembrada na Coreia e Japão.
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O momento exato do “chega, vamos mudar”, portanto, veio em 1998. A derrota na Euro-2000 é outro elogio a se fazer aos alemães. Fosse no imediatismo brasileiro, a turma do “éramos felizes e não sabíamos” venceria. Em vez de ler o fracasso como evidência de uma escolha errada, a federação alemã entendeu que toda a árvore precisa de tempo para frutificar.
Seguiu no projeto, que hoje conta mais de 100 academias de futebol para crianças e a fiscalização pétrea de uma lista de exigências aos clubes da Bundesliga, no que diz respeito a categorias de base e até a inscrição de jovens jogadores. Em quase 15 anos, só dois técnicos no time principal.
Jürgen Klinsmann deu a largada e passou o bastão a seu auxiliar, Joachim Löw, campeão em 2014. Este, por sua vez, após 11 anos no cargo, encaminha a sucessão a Miroslav Klose, o artilheiro das Copas, agora treinador assistente. Felipão tentou justificar o 7 a 1 afirmando que foi um aborto, mas na verdade ocorreu o oposto. Nunca se viu tão longa gestação no futebol.
De 1998 a 2014, foram 16 anos de trabalho duro, sem um dia sequer de descontinuidade, até o prazer de ganhar uma Copa jogando com mais graça e leveza do que a Garota de Ipanema – no Rio, ainda por cima.
A Alemanha, quando viu o fundo do poço se aproximar, mudou. E no Brasil, o que mudou depois do 7 a 1? O técnico. Qual a alteração estrutural? Nenhuma.
Felipão saiu pelos maus resultados. Dunga entrou e saiu pelo mesmo motivo. Por sorte, com medo de ficar fora da Rússia-2018, os senhores da CBF procurados pelo FBI sob acusação de se abastecerem em propinodutos, viram-se obrigados a deixar os amigos de lado e correr para Tite.
Hoje existe um time, mas graças ao talento e à visão dele, Tite. Temos a Seleção Brasileira de Tite, assim como antes a de Dunga ou Felipão. Quando a Seleção terá o seu próprio DNA?
A Alemanha é a mesma na Euro Sub-21, na Copa das Confederações, nas Eliminatórias Europeias ou no Torneio dos Cozinheiros de Chucrute da Bávaria. Mudam gerações e técnicos, mas a troca de passes envolvente se repete, fruto da longa caminhada.
Talvez um roteiro pragmático para o Brasil seja efetivar uma comissão permanente e deixá-la trabalhando e criando projetos de base, como o vôlei fez com Bernardinho. Já que nunca teremos dirigentes alemães, então que se entregue tudo nas mãos dos profissionais. Os cartolas tupiniquins teriam só de mantê-los lá, ganhando ou perdendo. Duvido que o façam.
Quem sabe tornar o futebol uma questão de Estado, dada a importância para o cidadão, aprovando no Congresso uma lei garantindo Tite no comando por uma década?
O certo é que, em mais um aniversário do Mineirazo, só temos o técnico certo para sorrir. Um acerto grande perto do que se vislumbrava, mas pequeno se levarmos em conta que, quando ele sair, tudo será como antes.
O potencial do futebol brasileiro merece mais. Educadores ensinam que o erro é parte essencial da aprendizagem, só que respeito à educação nunca foi nosso forte. Três anos depois, a realidade indica que não aprendemos nada.
E tome gol da Alemanha.