A entrevista, completa e esclarecedora, você pode conferir no Caderno DOC. Tite é claro em expor suas ideias mesmo no terreno tático, que é cheio de termos inacessíveis para o torcedor. Tem a preocupação de explicá-los, sem a necessidade de usar a linguagem específica para impressionar. É um dos segredos do seu sucesso.
Dá para ser intuitivo e ler um livro. Dá para ser culto e apostar na intuição que a experiência oferece. O conflito entre estudioso e ex-jogador nas casamatas só existe para os intolerantes, categoria crescente neste país que confunde luta pela corrupção com torcida de partido. É a velha cegueira de se achar melhor do que os outros, sem enxergar mérito em quem pensa diferente.
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Por que estou unindo alhos e bugalhos, futebol e política no que se refere a treinadores? É que tive um papo de camarim com Tite.
Esta semana, o jornalista Sílvio Benfica levou Tite para o Teatro do Bourbon Country, em Porto Alegre. Lotou. Uma das sacadas do Sílvio, que mesmo sem ser beneficiado verticalmente poderia ter sido jogador de vôlei, tal o número de sacadas de sua longa carreira de repórter e homem de rádio, foi fazê-lo dividir o palco com outras pessoas.
O Tite era o centro da troca de ideias, mas lá estavam também o Tinga, a ex-miss Brasil Gabriela Markus, o craque em recursos humanos Paulo Amorim e até Cláudio Forner, que lida com o admirável novo mundo da inovação. Gente de outras áreas, com outras ideias e outras abordagens.
Ouvir, dividir, pensar. Reelaborar. Tite é assim com seus jogadores, estimulando-os a participar. Participando, eles se sentem parte essencial do todo. Daí para o engajamento coletivo é um abraço.
Acostumados a cobrir Seleção Brasileira, o Zé Alberto Andrade, da Rádio Gaúcha, e eu puxamos uma questão com ele, no camarim, antes do evento, assim meio de cantinho. Em períodos de Copa, a Seleção se transforma em tambor de ressonância. Um suspiro vira tornado. O que era nota de rodapé ganha uma página. Uma piscada de olho do Neymar é flagrada por centenas de fotógrafos, que estão ligados em tudo o que aconteceu e que vai acontecer.
Pelo andar de 2017, o ano de 2018 será de pura dinamite na política, com uma campanha eleitoral que levará para o noticiário todos os rancores das investigações, denúncias, delações, prisões, protestos e sentenças da Lava-Jato. O país estará ainda mais em ebulição do que agora.
É claro que os jogadores serão questionados. Como Tite os orientará a proceder? Aí é que está a novidade. Tite não orientará nada. Não haverá a plastificação chata do media training, com sugestões de declarações padronizadas.
Os jogadores poderão responder como bem quiserem se forem perguntados sobre política. São adultos e livres para emitir opiniões. Ninguém poderá fazer comício, obviamente: Seleção não é palanque. Além do mais, os convocados representam um país com eleitores de tendências variadas. Aí entra a palavrinha mágica: bom senso.
O próprio Tite não esconde sua admiração pela presidente do STF, Cármen Lúcia. Falou nela no evento do Sílvio, mas sempre com todo o cuidado. Agora, blindagem? Não. Tite nem simpatiza com o termo, por sugerir cerceamento. Ele não abre mão, isso sim, e já avisou os cartolas, de carta branca para manter o foco na preparação.
Eventos em excesso com patrocinadores estão com os dias contatos na Copa da Rússia. Treinos fechados também podem acontecer, embora não tenha sido prática até agora. Se precisar, lá adiante, os requisitará sem medo. Não descarta, enfim. Analisará quando chegar a hora. Contato com o torcedor é importante, desde que não disperse. Lembram de Weggis, na Suíça, durante a preparação para 2006, na Alemanha? Nem pensar.
Enfim: providências no que diz respeito a rotinas de trabalho, para atingir excelência de rendimento – jamais avançando sobre os direitos do cidadão de se expressar. Ninguém será impedido, nos bastidores, de abrir a boca para emitir opinião. Foi um bom papo de camarim, antes de eu me acomodar na primeira fila para ouvir Tite e convidados.
O Sílvio Benfica bem poderia maquinar outro evento desses e nos deixar de novo na cara do gol.